Os Hormonios dos Anos 70
No fundo, Grease obedece, do ponto de vista do drama cinematografico, a um modelo melodramatico comum entre o fim dos anos 70 e o comeco dos 80
Grease, nos tempos da brilhantina (Grease; 1978), o primeiro filme dirigido pelo americano Randal Kleiser, se propunha como um retorno ao nascimento duma juventude ingênua e debochada tal como se imaginava que fossem os jovens dos anos 50. Embora em figurinos, cenários, veículos e gestuais a produção se esforçasse por caracterizar a sociedade americana de vinte anos antes, o que o espectador vê mesmo na tela, especialmente agora neste século XXI quando tantas décadas rolaram por aí, é um retrato do modo de ser jovem na década em que foi filmado, os anos 70. Toda a visão superficial e estereotipada de como era viver os hormônios de então está no filme de Kleiser (e de seu produtor Robert Stigwood, e de John Travolta e Olivia Newton-John, e de tanta gente que se alinhou no projeto); é claro que a construção narrativa é colegial e primária, mas marcou um tempo das imagens cinematográficas, e a dança da sequência final entre Travolta e Olivia ainda carrega uma forte evocação dum tempo preciso de juventude, ainda que esteticamente a pouca afeição do ator com a marcação cênica e coreográfica e a banal sensualidade de Olivia não tenham a relevância de outros musicais americanos em que os estratos dos intérpretes se inspiraram.
No fundo, Grease obedece, do ponto de vista do drama cinematográfico, a um modelo melodramático comum entre o fim dos anos 70 e o começo dos 80. A historieta, com os condimentos machistas habituais na época, mesmo em bons diretores como John Landis e John Hughes, acompanha a aproximação sentimental entre Danny (Travolta) e Sandy (Olivia), a paixão assumida mais facilmente pela mulher e em princípio rejeitada pelo rapaz para não envergonhar-se diante de seus pares varonis. Kleiser encena os lances dramáticos sem maiores sustos, e em seu tempo caiu muito no gosto do público. Hoje os aspectos envelhecidos do filme realçam seus problemas narrativos. Travolta vinda do sucesso de Embalos de sábado à noite (1977), dirigido por John Badham, e isto favoreceu a saída comercial. Kleiser depois faria outro melodrama de sucesso, A lagoa azul (1980), e cairia no ostracismo com produções que não chegaram lá. Olivia Newton-John, cantora nascida na Inglaterra mas criada na Austrália, teve aqui seu momento de glória cinematográfica. O escritor, cineasta, cinéfilo Álvaro Romão anotou que se trata de sua primeira paixão. A energia de Olivia diante das câmaras mexeu com os hormônios dos que éramos jovens na época: uma peça icônica de nossa memória cinematográfica. Olivia não teria mais uma carreira fílmica. A sequência Grease 2 (1982), dirigida por Patricia Birch, com Michelle Pfeiffer e Maxwell Claufield, naufragou nas bilheterias, caracterizando a extrema efemeridade daquela febre que nos assolou nos breves anos. Se Olivia se plasmou como Sandy, mas não veio adiante no cinema, Travolta, em tempos mais recentes, foi ressuscitado por Quentin Tarantino em Pulp fiction (1984), revelando que o Travolta da maturidade oferece mais recursos que o precário bailarino dos anos 70.
Grease, nos tempos da brilhantina, mais que em seu tempo, é hoje um filme de época. Um filme de nossa época jovem: bobos, simplificáveis, nascidos talvez já ultrapassados. Mas é curioso olharmo-nos diante deste espelho em imagens em movimento.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro Uma vida nos cinemas, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br