Francis Scott Fitzgerald nasceu no fim do século XIX. Como artista, encarnou esta transição entre os séculos: um pé na era dos poetas à beira do abismo, como o francês Rimbaud; as costas tentando apoiar-se na então moderníssima (hoje nostálgica) era do Jazz. Casado com Zelda, uma mulher instável em sua liberdade, muito por ela ter esquizofrenia, ele acabou, ele próprio, mergulhando na loucura da mulher. Sua altíssima literatura são um pouco as confluências de sua própria vida.

O curioso caso de Benjamin Button e outras histórias da era do Jazz (Six tales of the Jazz and other stories; 1920) é uma bela captação de seu estilo de escrever, psicologicamente agudo e profundamente mágico. Morreu cedo e pôs no papel frases sempre como um jovem: terrivelmente jovem, para usar duma expressão, para os escritores, do romancista brasileiro Lúcio Cardoso. Parece compor como aquela personagem do início de O grande Gatsby (1925): “em meus anos mais juvenis e vulneráveis”. Além do Benjamin Button, que foi parar no cinema, no qual em seus anos de buscas financeiras Fitzgerald penetrou, temos coisas preciosas, como Ó feiticeira ruiva!, O resíduo da felicidade ou A soneca de Grechten. Vejam, nA soneca: “As calçadas estavam cobertas de folhas quebradiças e o menininho malcriado da casa ao lado mostrava a língua para a caixa de ferro do correio. Antes do anoitecer, haveria neve, com toda certeza. Terminava o outono. Aquilo, certamente, suscitava a questão do carvão e a questão do Natal; mas Roger Holsey, de pé no alpendre da frente da casa, asseverou ao desbotado céu suburbano que não dispunha de tempo para se preocupar com o clima. Depois, entrou apressadamente na casa e encerrou o assunto, expulsando-o para o frio crepúsculo.”

(Eron Dauarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)