O Efemero Que Se Eterniza
O texto que segue trata dum livro que sera publicado no Brasil nos proximos meses
Antes do escrito: O texto que segue trata dum livro que será publicado no Brasil nos próximos meses. Seu autor, Luís Altério, é português e reside há anos em Vitória da Conquista, na Bahia. Luís me presenteou com uma oportunidade que eu gostaria de ter de todo escritor: ler o livro antes de todo o mundo; em muitos momentos chego a pensar que nasci basicamente para isto, para ler, e, como consequência, escrever. Eu o fiz já faz algum tempo. O resultado de minha leitura é o que vem nas próximas linhas.
Em seu novo livro, “e” e outras ficções, estudos sobre o infinito (2023), o escritor luso Luís Altério, residente no Nordeste brasileiro, nos adverte em suas notas iniciais: “Estes minicontos são uma escrita de fronteira.” De que fronteira fala Altério? “do córrego da escrita breve que flutua numa fronteira entre Portugal e Brasil.” Um autor português escrevendo em terras brasileiras: naturalmente influenciado pela realidade —linguística e social— brasileira. Mas mantém a natureza de suas origens em seu texto: a sintaxe, o vocabulário, algum jeito da frase. “Sempre na corda bamba da ambiguidade”. Um caso diplomático na literatura, entre dois países, Altério como um embaixador do texto lusitano entre nós? Não certamente. Mais uma literatura que se miscigena; e, com a internacionalização radicalizada pela internet, toda a literatura que fazemos em qualquer parte deve aguçar esta característica. Por exemplo: o romancista francês Georges Bernanos viveu um tempo no Brasil; teriam seus escritos franceses da época influência brasileira, inclusive da língua que aqui falamos? Nosso escritor Lúcio Cardoso revela em seus Diários que certa vez surpreendeu Bernanos a escrever no centro do Rio, e cogitou de como se processava sua criação. Na era do computador, Luís Altério monta muitas vezes seus aforismos a partir de rápidas pinceladas na internet. Fazemo-lo, todos, de certa maneira. Embarcamos na superfície dos dias: o efêmero que logo nos foge. Luís tem o dom da brevidade, a transparência dos diálogos curtos. Lição de síntese que talvez o barroquismo brasileiro tenha dificuldade de assimilar. “e” e outras ficções é um livro de fronteiras em vários sentidos. Salta das notas da internet para uma composição de livro, supera mais uma fronteira, entre a internet (o efêmero fugidio) e a literatura (onde mesmo o efêmero, ao ser captado, se eterniza). Fronteira entre duas maneiras de compor a língua portuguesa. E também certas fronteiras ancestrais. “—A prova inequívoca de que as diásporas definitivas trazem a cultura de lá para cá e ser readaptada é o seguinte: No São João da Cidade Sertão da Ressaca prova-se o milho com quentão (vinho quente). Lá, no meu Porto, prova-se a sardinha assada (embebida de azeite e pimenta) com vinho.” Em seus estudos sobre o infinito Altério se aproxima do átomo.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br