A Intensidade da Imagem em Altman
As saidas esteticas de Altman em Tres Mulheres sao extasiantes
A experiência do cineasta americano Robert Altman em construir uma intensidade para a imagem cinematográfica atinge seu ponto mais forte em Três mulheres (Three women; 1977). Antes ele já tentara pôr num filme esta característica da narrativa-sonho, esfumaçada e estranha, em Imagens (1972); mas era algo ainda tateante. Em Três mulheres ele atinge o nervo narrativo, e propõe uma forma nova para fazer um filme obscuro mas ainda assim de forte presença na mente do espectador. Em seu filme seguinte, Cerimônia de casamento (1978), talvez seu trabalho mais amplo e completo, Altman abandona o mergulho no alegórico de Três mulheres e é bastante mais objetivo em sua visão das paranoias da sociedade americana da época. No entanto, logo depois, em Quinteto (1979), Altman parecia pretender retornar a seus delírios de imagens; neste filme seu hermetismo chegava a um ponto sem saída, coisa em que Três mulheres, ainda que formalmente claustrofóbico, não incorre: suas saídas estéticas em Três mulheres são extasiantes.
Desde o primeiro movimento de imagens, aqueles planos vagarosos em que alguns velhinhos caminham numa piscina, como seres extramentais, sob o olhar quase catatônico de Sissy Spacek atrás duma vidraça, as coisas não parecem naturais nem fáceis em Três mulheres: a despeito de algumas coisas comuns encenadas. A história contada no filme de Altman vai mostrar o relacionamento entre duas garotas que se conhecem porque são empregadas duma clínica de recuperação de idosos: a personagem de Sissy Spacek chega ali para empregar-se e é posta a aprender o serviço com a criatura interpretada por Shelley Duvall; Pink (Sissy) é tímida enquanto Millie (Shelley) é festeira, para Pink os homens e as farras são distantes e impenetráveis, para Millie viver é curtir os machos; até que, após uma tentativa de suicídio de Pink na piscina da clínica, logo depois de ser destratada pela impaciência de Millie, as coisas se permutam: acuada pela consciência, Millie se retrai; recuperada do coma, Pink deixa aflorar a vaidade e os desejos. Em face desta troca de personalidades, em sua época muitos compararam o filme de Altman com a obra-prima Persona (1966), do sueco Ingmar Bergman. Nada mais falso: Bergman é sinuoso psicologicamente. Altman edifica um artifício alegórico. Na base, pode-se dizer que o americanismo de Altman lhe permite algumas superfícies mentais; Bergman, nórdico, evoca abismos. Estéticas que se afastam muito.
Boa parte da intensidade de imagem buscada por Altman em Três mulheres tem um substrato adjunto, os desenhos feitos no fundo da piscina da clínica, meio assustadores ou atraentes, e que puxam Pink para jogar-se desesperada na água. Estes desenhos ressurgem na imagem final, o pátio onde as duas personagens vivem outras criaturas-pós, os desenhos são vistos no fundo duma espécie de piscina seca. Sissy Spacek (que pouco antes vivera o terror de Brian de Palma em Carrie, 1976) e Shelley Duvall têm neste filme um dueto que é um dos instantes mais belos da interpretação cinematográfica americana.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro Uma vida nos cinemas, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br