Ingenuo Mas uma Ponta Provocativa

Em Conclave o estilo de filmar de Berger ainda e sempre se volta para as formas classicas mas aqui se solta mais

25/04/2025 19:08 Por Eron Duarte Fagundes
Ingenuo Mas uma Ponta Provocativa

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Conclave (Conclave; 2024), dirigido pelo alemão Edward Berger, representa um brutal avanço em relação ao outro filme do cineasta que se pôde ver, Nada de novo no front (2022), narrativa ambientada na guerra a partir de um texto do germânico Erich Maria Remarque e que era dotada de um academicismo rançoso. Em Conclave o estilo de filmar de Berger ainda e sempre se volta para as formas clássicas mas aqui se solta mais, permitindo uma atração narrativa crítica e às vezes cortante. Sua utilização plástica dos amplos cenários interiores do Vaticano, propondo quase uma relação entre arquitetura e cinema, chega às vezes a fascinar o observador, por seu dado estético mesmo. Como em seu outro filme citado acima, o realizador parte de um original literário: em Conclave a origem é o livro homônimo de Robert Harris. No entanto, Berger (que tem origens suíças pelo lado materno e austríacas pelo lado paterno) adota um senso comercial do cinema de espetáculo capaz de envolver o espectador em Conclave, sem descaracterizar inteiramente o gosto crítico ou artístico.

O centro de interesse de Conclave é a eleição de um novo Papa no Vaticano após a morte do último. É na verdade uma ficção em torno do evento papal: como se passasse no futuro, embora às vezes se camufle numa espécie de (falso) filme histórico. Berger e seu roteirista Peter Straughn põem diante das câmaras a vida eclesiástica como uma extensão dos demais segmentos das sociedades humanas, com seus instintos, seus preconceitos racistas, étnicos, sexistas, suas mesquinharias às vezes disfarçadas de bonomia, suas hipocrisias; isto, é certo, não deixa de ser assim, as batinas não isolam as criaturas dos homens que são, mas a forma como Berger elabora os embates que levam a estas observações não deixam de expor a ingenuidade cinematográfica do diretor. Longe estamos da crueldade visceral do holandês Paul Verhoeven em Benedetta (2021), exemplar de filme de religião para os tempos que correm. De qualquer maneira, Conclave cresce numa revisão ao expor com grande poder simbólico as falcatruas políticas (algumas quase inconscientes em seus agentes) do Vaticano, ou o universo de cardeais ali isolados como um espelho da sociedade que o espectador experimenta do lado de fora, deste cenário, da sala de cinema de também. No último gesto dramatúrgico, o cardeal Lawrence topa no chão do Vaticano uma tartaruga e a toma para si levando-a para uma água do lado de fora desta grande mansão. Como a tartaruga, que procura lentamente seus caminhos, a sociedade (os homens que a habitam) também marcham lentamente para as mudanças. Este, talvez, o dado essencial deste filme que o eleva acima de seus limites: uma reflexão sobre os aspectos tardos de nosso despertar, político, social, moral.

Berger capricha no aparato estelar do elenco. Ralph Fiennes (como o objetivo e cerebral cardeal Lawrence, Fiennes reexibe sua criatividade), Stanley Tucci (construindo a instabilidade do cardeal Bellini), John Lightgow (edificando a rigidez de seu Joseph Tremblay) e Sergio Castellitto (um Gofredo Tedesco notável em todo o seu arcaísmo cínico) dão o tom da narrativa, que às vezes adquire uma surpreendente harmonia variada em sua forma. E, como recheio, as aparições de Isabella Rossellini como uma freira no universo machista eclesiástico; o que pode levar o observador a uma evocação longínqua, Ingrid Bergman, a mãe de Isabella, a Ingrid que viveu Joana d’Arc (uma vez sob Hollywood, outra sob o diretor italiano Roberto Rossellini) e desvelou-se numa ascese em Europa 51 (1952), de Rossellini. E coadjuvantes como o inglês Lucian Msamati na pele do cardeal negro Joshua Adeveni, o mexicano Carlos Diehz interpretando o cardeal mexicano servindo em Cabul Vincent Bennítez e a nigeriana Balkissa Maiga como uma freira que se intromete ali entre a sinuosidade política e a realidade feminista ressuscitada nos tempos festivos em que tentam apagar o passado machista como se nunca tivesse acontecido.

Como não acredito nos chamados “spoilers” como modificadores do impacto de um filme, desde minhas origens literárias, lendo e relendo clássicos de maneira sempre nova, direi da reviravolta final de Conclave, onde o Papa eleito é um transgênero (no sentido orgânico mesmo, o indivíduo que nasce com duplo sexo), o cardeal que vem de Cabul: esta sacada  que encerra as questões do filme revela tanto a ingenuidade quanto a  provocação do rumo cinematográfico de Berger neste filme.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro “Uma vida nos cinemas”, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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