RESENHA CRTICA:The Normal Heart
Confira o que Rubens Ewald Filho achou deste filme feito pela TV, em cartaz no HBO
The Normal Heart (em cartaz no canal HBO).
EUA, 14. Direção de Ryan Murphy. Roteiro de Larry Kramer baseado em peça de sua autoria. 132 min. Com Mark Ruffallo, Jonathan Groff, Frank De Julio, Julia Roberts, Taylor Kitsch, Stephen Spinella, Joe Mantello, BD Wong, Jim Parsons, Matt Bomer, Corey Stoll.
Nunca assisti a peça original que Larry Kramer tentou durante anos transpor para o cinema como o mais sério e imparcial registro já realizado sobre a tragédia do chamado Câncer Gay, uma doença que a partir de 1981 se espalhou entre a comunidade gay de Nova York e que o governo norte-americano recusou reconhecer ou tomar providências a respeito. E a própria comunidade gay custou a se organizar e se assumir. É o que eventualmente seria batizada de HIV/Aids. De qualquer forma, já é um testemunho da condição do atual cinema mundial e da auto-censura, quando a televisão, no caso a HBO, é a melhor produtora de telefilmes e séries, que conseguiu realizá-la com toda a dignidade e sem fazer qualquer concessão. E estamos diante de um fato que precisa ser reconhecido: as séries de TV são hoje melhores (ao menos em média) do que os filmes que passam nos cinemas.
De qualquer forma, The Normal Heart não é um filme fácil. Já houve outros igualmente meritórios (da própria HBO, E a vida Continua/And the Band Played On, 93 e Meu Querido Companheiro/Long Time Companion, 89). Ambos tem bastante semelhança com este filme, a diferença esta no texto autobiográfico de Kramer, feito com precisão cirúrgica. E realmente fica muito difícil não se emocionar o filme inteiro com alguns momentos que ressoam oportunos e ate chocantes. É difícil não pensar nos amigos e colegas que perdemos também aqui no Brasil. O protagonista é Mark Ruffalo (como Ned Weeks), um judeu com dinheiro que tem que cuidar do companheiro jornalista (Matt Bomer, de White Collar, especialmente convincente) que esta morrendo da doença, até o final do filme misteriosa. E Ned limpa sua sujeira, dá banho de chuveiro nele e aguarda a morte, impotente, quando estar com alguém era a única coisa que sonhou na vida. Jim Parsons, de Big Bang Theory, como Tommy, é que no enterro do companheiro chega à conclusão de que “Eles não gostam mesmo da gente” .
Cada um dos personagens é muito bem construído. Ruffalo talvez seja o único dos protagonistas a demonstrar em gestos sua identidade sexual. Claro que sem a exuberância dos personagens de telenovela brasileira. Mas é justamente isso que torna tão forte quando ele é o primeiro a tentar organizar (mesmo com relutância) a comunidade e procurar encontrar alguma solução para a crise. Tenta fazer alguma coisa, quebrar a barreira de silêncio. Mas os próprios companheiros, cegos e surdos, daquele tipo que não quer ver, se voltam contra ele. O rejeitam e o derrubam do cargo na organização. Este me parece o maior mérito do filme. Claro que o maior culpado aparece nos letreiros finais: o presidente Ronald Reagan que fechou os olhos para tudo e se negou ferrenhamente a dar fundos para a Pesquisa. Mas a comunidade também teve sua culpa, antes de tudo por não ter coragem de se negar a promiscuidade, de assumir publicamente sua luta e nisso incluindo os que viviam no armário e não tiveram coragem de ajudar os companheiros que estavam morrendo estupidamente.
Isso para mim é a coragem maior de um filme que não se furta de ter algumas cenas mais explícitas na parte inicial (para ilustrar a festa, no caso em Fire Island) preparando o caminho para a descida no inferno. Co-produzido por Brad Pitt, Ruffalo e o diretor Ryan Murphy (da série Glee e Comer, Rezar, Amar), sendo que foi esse filme que possibilitou o encontro com Julia Roberts, que tem seu momento mais intenso e dramático talvez em toda sua carreira em algumas poucas cenas, como Dra. Emma, que parece a única sensata lutando contra uma burocracia implacável. Julia tem dois grandes momentos: a explosão de fúria, com o burocrata e o pequeno momento de ternura com Ned (porque ela foi vitima de pólio e anda em cadeira de rodas).
Não era um filme fácil de escalar elenco e o resultado me pareceu perfeito. Até mesmo com atores que tem fracassado sucessivamente como Taylor Kitsch, que faz esquecer as bobagens de John Carter de Marte, e está perfeitamente aloirado e vaidoso, como Bruce Niles, fraco demais para se assumir. E foge do final feliz. Conclui mesmo antes de acontecer Rock Hudson, Elizabeth Taylor e a midiatização da doença. Que hoje já parece tão distante que já acontece a estupidez de esquecê-la e ignorar sua existência. As indicações aos Emmys acontecem agora dia 10 deste mês. The Normal Heart deve ser o provável vencedor.
Sobre o Colunista:
Rubens Ewald Filho
Rubens Ewald Filho jornalista formado pela Universidade Catlica de Santos (UniSantos), alm de ser o mais conhecido e um dos mais respeitados crticos de cinema brasileiro. Trabalhou nos maiores veculos comunicao do pas, entre eles Rede Globo, SBT, Rede Record, TV Cultura, revista Veja e Folha de So Paulo, alm de HBO, Telecine e TNT, onde comenta as entregas do Oscar (que comenta desde a dcada de 1980). Seus guias impressos anuais so tidos como a melhor referncia em lngua portuguesa sobre a stima arte. Rubens j assistiu a mais de 30 mil filmes entre longas e curta-metragens e sempre requisitado para falar dos indicados na poca da premiao do Oscar. Ele conta ser um dos maiores fs da atriz Debbie Reynolds, tendo uma coleo particular dos filmes em que ela participou. Fez participaes em filmes brasileiros como ator e escreveu diversos roteiros para minissries, incluindo as duas adaptaes de ramos Seis de Maria Jos Dupr. Ainda criana, comeou a escrever em um caderno os filmes que via. Ali, colocava, alm do ttulo, nomes dos atores, diretor, diretor de fotografia, roteirista e outras informaes. Rubens considera seu trabalho mais importante o Dicionrio de Cineastas, editado pela primeira vez em 1977 e agora revisado e atualizado, continuando a ser o nico de seu gnero no Brasil.