Solidão Continental

O gaúcho João Gilberto Noll gosta de lembrar que é um escritor de linguagem

19/09/2014 09:56 Por Eron Duarte Fagundes
Solidão Continental

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SOLIDÃO CONTINENTAL (2012). De João Gilberto Noll. Rio, Record, 2012.

“Saí para a rua brasileira depois de doze horas de sono no meu apartamento. Fui até uma banca de revista, comprei o jornal, entrei em um café, pedi meu expresso. No som ambiente, Erik Satie. Não encontrei ninguém, como me acontecia no Brasil. À tarde fui ao cinema. Vi Um conto chinês. À noite me apresentei na Escola de Idiomas onde dava aulas de português para estrangeiros. Estava à minha espera um rapaz italiano que viera morar no país. Falei que o serviria como a filho que eu não tinha. Ele sorriu como eu imaginava. Parece que levou a sério. Eu disse meu nome. Ele o seu. Frederico.”

 

O gaúcho João Gilberto Noll gosta de lembrar que é um escritor de linguagem. E de fato é, hoje em dia, um dos mais preocupados com a questão da evocação das coisas pelas palavras: as coisas são palavras na literatura de Noll. Noll é um formalista criativo, sim, como Clarice Lispector ou Graciliano Ramos, para citar dois autores díspares; mas situa-se à distância da neoliteratura de um Guimarães Rosa e de alguns arroubos experimentais de Osman Lins. Noll tem os pés na linguagem e as mãos um pouco em suas próprias experiências humanas.

Solidão continental (2012) é sua mais nova bela obra, depois do arrebatador Acenos e afagos (2008) e do levemente tedioso mas sempre espinhoso Anjo das ondas (2010). A experiência americana de Noll atravessa o romance. Com poesia e crueza. E também com a inesperada transcendência do cotidiano, que se vai superpondo à acumulação de certos gestos automáticos e enfadonhos das personagens.

Noll trafega no sexo com uma certa desfaçatez e muito despudor. Mas descobre o instante poético nos excrementos do corpo. “O cheiro originava-se da merda entalada. Acendi a luz, puxei a descarga e nada. Sentei na louça fria do vaso sem tampa, puxei-a para meu colo, abri a braguilha e quis meter por onde só senti as espetadas de pelos raspados.” Costuma-se identificar no sexo do texto de Noll uma preferência pelo homossexualismo masculino. “E eu sabia: se aspirasse a manter o rapaz nos meus domínios, eu precisaria arranjar, sim, uma viagem mais longa com ele. Ele não permaneceria preso a mim no espaço do meu dia a dia. E no meu estreito cotidiano não cabia mais ninguém.” Na verdade, o sexo em Noll é somente sexo, não tem origens masculinas ou femininas propriamente, é unicamente transpiração vital. “Os corpos se puseram a transpirar, arfar: se expandiam... Ergui-me um pouco, me apoiei no braço. E vi que ia beijar seus lábios entreabertos. E tirar sua roupa. E depois a minha. E ia, sim, lentamente... entrar...” Com Noll o leitor entra nessa: entra “com”, entra junto.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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