A Decência e o Pecado

A austeridade formal é o que informa a aura estilística de Desobediência (Disobedience; 2017), dirigido por Sebastián Lelio

22/08/2018 15:55 Por Eron Duarte Fagundes
A Decência e o Pecado

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A austeridade formal é o que informa a aura estilística de Desobediência (Disobedience; 2017), dirigido para capitais americanos pelo chileno, nascido na Argentina, Sebastián Lelio, em que o trio central de personagens é vivido pela inglesa Rachel Weisz, a canadense Rachel McAdams e o americano Alessandro Nivola. Talvez esta forma austera e religiosa, um pouco determinada pela ambientação mística em que se passa a história, se ressinta de algumas sutilezas para dar um sentido mais agudo a seu objeto. Mas inegavelmente cria um estado de cinema que permite ao observador desfrutar um belo espetáculo cinematográfico.

As primeiras imagens que iluminam a tela mostram um rabino discursando num templo judaico. O fim desta sequência é o ataque fulminante que o discursador sofre, caindo ao chão. Na segunda sequência do filme vemos uma fotógrafa fazendo um ensaio fotográfico, na multicultural Nova Iorque. O regional e particular se confronta com o cosmopolita e o geral nestas duas sequências iniciais. O desenvolvimento da narrativa liga uma cena à outra: quem morreu no início do filme é um líder religioso judaico, na Inglaterra; a mulher que fotografa alguém na segunda cena é a filha deste homem. Ronit, a fotógrafa, volta para sua terra natal porque a morte do pai a leva para suas origens. Lá, ela, agora uma mulher do mundo, depara com uma comunidade arcaica, e também depara com seu amor da juventude, sua amiga Esti, que está casada com um amigo comum de ambas.

A fogueira reacendida de Ronit e Esti conduz o filme a uma cena em que a austeridade e a religiosidade que informam a atmosfera formal de Desobediência acabam por ser balançadas. É uma das mais fortes sequências de amor do cinema atual. Diante das câmaras, as duas atrizes Rachel, a Weisz e a McAdams. Masturbam-se. A saliva de uma é expelida para a boca da outra. A boca da outra pede mais saliva: abre a boca nos interstícios do amor físico para que sua parceira volte a vomitar para dentro de sua boca a saliva. Estaria a cena transcendendo as personagens e chegando ao nervo das atrizes? Algo terrivelmente devastador: um poema erótico de imagens.

Desobediência oscila entre a decência e o pecado, estes conceitos cristãos, oscila igualmente entre um estilo severo de compor o quadro cinematográfico e a alegria descabelada dos corpos.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro “Uma vida nos cinemas”, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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