A Insanidade das Palavras
Duro, indigesto muitas vezes, Wittgenstein e? um destes filmes amamos irrestritamente
Derek Jarman, cineasta inglês homossexual que morreu de AIDS em 1993, faz um retrato sarcástico e perturbador do filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein em Wittgenstein (1992), um dos mais criativos filmes da última década do século XX. A maneira irônica e debochada como Jarman, um iconoclasta da imagem, se aproxima da figura muito reverenciada do pensador vienense transforma o mundo sofisticado de idéias e construções linguísticas em algo muitas vezes grotesco; o Wittgenstein de Jarman é uma personagem que se aparenta ao Quincas Borba do escritor brasileiro Machado de Assis: dono de teorias tão esdrúxulas quanto provocativas e geniais, é motivo de escárnio de quem não tem o alcance para entender estas criaturas, autênticos gênios loucos. Neles, a sofisticação está muito próxima do primitivismo bárbaro.
Wittgenstein é um filme que lida o tempo todo com palavras, como convém; os atores geralmente falam sobre um fundo negro, dando ao público seus textos ásperos e desdramáticos. Mergulhando sua personagem num torvelinho verbal, Jarman entremostra a insanidade a que as palavras podem chegar; as artimanhas da sintaxe e a ingenuidade dos períodos são devassadas pelo filme segundo os conceitos extraídos dos excertos da filosofia de Wittgenstein.
Se Jarman morreu de AIDS, o filósofo, homossexual como o cineasta, faleceu em 1951 de câncer de próstata. O homossexualismo da personagem permite a Jarman exacerbar novamente na iconografia-gay de seu cinema, como se sabe de Sebastiane (1976), nunca visto por aqui, e Caravaggio (1985), um destes filmes raros cultuados de que não se esquece. Ele leva mais adiante o signo erótico homossexual esboçado outrora pelo italiano Pier Paolo Pasolini. A fleuma britânica de Jarman é mais infernal.
Duro, indigesto muitas vezes, Wittgenstein é um destes filmes amamos irrestritamente.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro Uma vida nos cinemas, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br