A Vida Pulsa em Dickens

Grandes esperancas vai acumulando fatos como se nao tivesse rumo, organizacao interna

19/09/2019 14:10 Por Eron Duarte Fagundes
A Vida Pulsa em Dickens

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O romancista inglês Charles Dickens elevou o exagero das emoções e das sensações a um ponto a que só os grandes narradores literários do século XIX lograram chegar. Grandes esperanças (Great expectations; 1861) é um melodrama cheio de cor e fúria, escrito num ziguezague desarticulado da memória, e toda esta montagem instintiva e brutal que teria tudo para render algo imaturo e desprezível vai dar numa apaixonante obra-prima. Por quê? Porque está nas mãos da linguagem de Dickens, de seu jeito sintático, de sua tensão e luminosidade vocabulares; Dickens, como todos os notáveis da novelística oitocentista, efabula com a linguagem, valendo-se de verbos e metáforas de que nunca mais um escritor seria capaz: os excessos de idéias de nosso tempo, algumas destas idéias precárias e efêmeras, mataram o romance emocional.

Grandes esperanças adota a narrativa em primeira pessoa: é o protagonista, o pequeno Pip, quem faz o relato de sua vida, da infância em casa de sua irmã e seu cunhado às experiências amargas da idade adulta em que teve de, a duras penas, caminhar por seus próprios pés, embora dependesse sempre, no fundo da mente, da evolução de seus seres de formação.

O romance de Dickens começa um pouco como Moby Dick (1851), do norte-americano Herman Melville: revelando o nome da personagem que conta a história. Mas Dickens recheia mais a questão do nome, ligando o apelido familiar Pip às inscrições no túmulo dos pais do narrador. Ao mesmo cenário Pip tornará no fim da narrativa, onde reencontrará seu eterno amor, Estelle, separada dele ao longo dos episódios do livro. Como nas telenovelas de nossos dias, a heroína no último capítulo descamba nos braços do herói. É o melodrama esperado? Não: as telenovelas de hoje pasticharam muito mal a Dicknes, que utiliza um encanto narrativo que falta aos imitadores telenovelistas de hoje.

“Tomei sua mão na minha. Encaminhamo-nos então para os escombros de Manor House. Assim como o nevoeiro da manhã se tinha dissipado no dia remoto em que eu deixava a ferraria de Joe, o nevoeiro da noite dissipava-se naquele momento, e na vasta extensão iluminada que se deixava avistar, vislumbrei a esperança de nunca mais me separar de Estelle.”

Grandes esperanças vai acumulando fatos como se não tivesse rumo, organização interna. É verdade que assim o romance se ressente da estrutura de folhetim da ficção do século XIX. Mas este pequeno senão (como certos traços mais superficiais das personagens) não impede que o amemos com a mesma inocência ou puerilidade com que Dickens o compôs.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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