O Passaro da Literatura Contemporanea!
Explicacao dos passaros (1981) eh um dos romances da fase inicial de Lobo Antunes
Pode ser um ufanismo linguístico deste comentarista. Mas não ruborizo ao afirmar que o romancista português António Lobo Antunes é o pássaro da literatura atual. Um pássaro: o que quer dizer que é o voo mais alto de quem escreve livros hoje em dia. Ao instar na afirmação, o rubor pode aparecer em algum recanto de minha escrita. Então, para tentar afastar o rubor, eu poderia alterar a frase: é simplesmente o mais criativo escritor de língua portuguesa dos dias atuais. É a língua que conheço bem: vivo nas suas entranhas literárias desde muito novo.
Explicação dos pássaros (1981) é um dos romances da fase inicial de Lobo Antunes. Apesar da inquietante experimentação metafórica do texto, Lobo Antunes não chegava à radicalização de seus livrões mais recentes, Boa tarde às coisas aqui em baixo (2003), Eu hei-de amar uma pedra (2004), Ontem não te vi em Babilónia (2006) ou Não entres tão depressa nessa noite escura (2000), livros que espantam possam ser publicados dadas suas dificuldades e exigências de leitura. Lobo Antunes é tudo o que não interessa numa época de miudezas de redações para vestibular em que as letras de hoje muitas vezes se transformaram: deve-se ler uma só vez e entender, a releitura deve ser descartada, não temos tempo. Certa vez uma conceituada jornalista porto-alegrense veio propor a substituição da palavra epifania por “treco estético”, sob a alegação de que esta última expressão era mais direta e compreensível; decididamente Lobo Antunes não deveria ser contemporâneo de algo tão horroroso quanto o tal treco estético, mas por essas desavenças históricas é, e isto explica certas incompreensões com sua obra.
Explicação dos pássaros é mais acessível do que seus trabalhos mais recentes, mas o poder das relações de palavras no texto de Lobo Antunes não decai em momento algum. Exercendo com vigor o chamado fluxo de consciência a partir do itinerário de memórias dum professor universitário, Lobo Antunes revela sua densa personalidade literária num caminho antes trilhado por franceses como Marcel Proust ou Louis-Ferdinand Céline. “O frio barbeava os arbustos e os ramos dos pinheiros, agitava os eucaliptos, brandia a pele da água como uma testa que pensasse. De tempos a tempos uma camioneta rebolava na estrada que não via, e o rumor ia decrescendo, lentamente, na direção da cidade, perseguido pela zanga dos cães.” Como explicar o pássaro que corre na veia de Lobo Antunes? Talvez as influências fortes das visões cinematográficas num indivíduo do século XX: as citações ao cinema, especialmente a diretores, são frequentes em Explicação dos pássaros. “O expressionismo abstrato, por exemplo, constituía para ele uma noção confusa.” O texto de Lobo Antunes se lança abundante na confusão do mundo: é contra o despojamento e contra a linearidade. Embarca na grande canoa furada da paranoia linguística, mas sobrevive a largas braçadas. As coisas em Explicação dos pássaros “se apequenavam devagar até se sumirem por completo no nevoeiro descolorido da manhã.” Quem pode entender os pássaros? Em algum lugar do livro de Lobo Antunes esta explicação se esconde.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br