A Superficialidade e a Ingenuidade do Cinema de Meirelles

Dois Papas entra nas polemicas religiosas. Mas sem grandes ousadias

24/12/2019 12:47 Por Eron Duarte Fagundes
A Superficialidade e a Ingenuidade do Cinema de Meirelles

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Dois Papas (em inglês, língua em que é majoritariamente falado o filme: The two Popes; 2019) é um dos mais bem realizados trabalhos do cineasta brasileiro Fernando Meirelles, aquela narrativa em que a beleza plástica de sua encenação adquire uma naturalidade de filmar que humaniza o cinema às vezes engessadamente formalista do realizador. O formalismo exacerbado estorvou o melhor estado de outras adaptações literárias de Meirelles: O jardineiro fiel (2005), buscado na ficção de John Le Carré, e Ensaio sobre a cegueira (2008), extraído da literatura de José Saramago, ambos feitos na língua inglesa. Dois Papas quase aproxima-se da natureza plácida e autêntica da melhor demonstração cinematográfica de Meirelles, Cidade de Deus (2001), também uma versão literária, mas algo brasileiro e contemporâneo, porém trabalhado com os recursos da linguagem das ruas do texto de Paulo Lins.

Dois Papas entra nas polêmicas religiosas. Mas sem grandes ousadias. Trata das relações entre os últimos eleitos para o Papado no Vaticano: o alemão que viria a ser Bento XVI, e que representa o lado mais arcaico e conservador da Igreja (moralista, dogmático, estudioso, latinista), e o argentino Jorge Bertoglio, que seria o atual Papa Francisco, uma espécie de ícone da Igreja mais solta, mais comunicativa, um indivíduo que gosta da dança e do futebol e um pouco menos dos estudos. O alemão passou à História como o primeiro Papa que renunciou: não caiu do Papado pela morte, como quase todos.

Dois Papas articula com clareza amiúde superficial e ingênua a dialética entre as duas personalidades em cena. E esforça-se por desvendar os conflitos interiores das duas personagens, especialmente do Papa argentino, cuja conivência nos tempos da ditadura argentina colidiria com seu avançado humanismo sempre exteriorizado. Com roteiro de Anthony McCarten, a partir dum livro do próprio escritor-roteirista, e sustentando-se basicamente nas interpretações de brilho de Anthony Hopkins e Jonathan Pryce, Dois Papas conta com capitais americanos, britânicos, italianos e argentinos e alinha-se, à boca pequena, nas visões cinematográficas sobre a Igreja: há o clássico O cardeal (1963), de Otto Preminger, que fala com mais profundidade das relações entre o espiritual e o temporal no meio eclesiástico; Amém (2002), de Constantin Costa-Gavras, um olhar espinhoso sobre as ações do Vaticano na época do nazismo; e Habemus Papam (2011), de Nanni Moretti, uma fantasia crítica em torno um Papa eleito que, fugindo, se recusa a assumir o Papado, temeroso (ou assustado) da responsabilidade do ofício. Dois Papas fica alguns tons abaixo de todas estas realizações: mas entrega com razoável honestidade seu recado.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro “Uma vida nos cinemas”, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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