O Cinema do Pensamento
Amantes no meio do mundo (Le milieu du monde; 1974) eh um dos exemplares mais caracter?sticos do cinema de Alain Tanner
Quem julga que o cinema existe somente para a imbecilidade do homem, não vai aceitar facilmente o cinema do pensamento erigido pelo suíço Alain Tanner. Depois de alguma estima crítica entre os anos 60 e 70 (e mesmo assim, entre estes que estimavam, havia quem evocasse à socapa a difícil aridez do universo do cineasta), Tanner é hoje um desconhecido: o público brasileiro por via de regra o ignora olimpicamente. Qual é o pecado de Tanner? Pensar; e transformar isto em filme. Mais: ser notavelmente simples ao fazer isto, não estabelecer para suas inovações o barulho do experimentalismo; Tanner não grita cinematograficamente, move-se numa estrutura elaboradíssima mas objetiva.
Amantes no meio do mundo (Le milieu du monde; 1974) é um dos exemplares mais característicos de seu cinema, onde a verdade de suas personagens é analisada também à luz da sociedade de seu tempo. Um engenheiro de produção que se candidata a deputado numa região da Suíça e uma garçonete italiana que chega à localidade de trem em busca de trabalho e que é surpreendida pela câmara bem no começo a chupar uma laranja formam o par destinado um para o outro durante cento e doze dias, como assevera uma voz-over feminina na abertura do filme; para o encontro dos dois, a lentidão narrativa se vai ajustando durante vinte minutos até dar-se o princípio do anunciado romance; o romance dura o tempo de inverno (mostrada em insistentes planos de nevasca) e com a chegada da primavera o rompimento acontece, tão naturalmente como se deu a aproximação, a voz cinematográfica de Tanner não se altera, planos demorados, diálogos e gestos despojados e diretos.
Como é habitual em Tanner, os diálogos culturais abundam, os movimentos circulares de câmara em torno das conversações são travessos e documentais, a conversa entre uma criatura no quadro e outra fora do quadro insta com o modelo de imagem (como no francês Eric Rohmer). As informações duma sociedade que busca a normalidade econômica e política são passadas pelo filme, tanto nas conversas entre as personagens, na voz-over da narradora e nas transmissões radiofônicas ouvidas no rádio do carro da personagem masculina.
Quem acompanhou o cinema suíço daqueles anos, poderia pensar num filme feito pouco depois, Um amor tão frágil (1976), do também suíço Claude Goretta. Em Goretta surge igualmente um caso de amor entre um homem e uma mulher distanciados por orientações sociais e culturais. Mas se em Goretta são estes distanciamentos que ajudam a arruinar a relação, não é o que se dá em Tanner: os problemas de Paul e Adriana (as figuras de Tanner) são mais secretos que aqueles de Pomme e François, os desorientados seres de Goretta. Em ambos os cineastas os registros das dificuldades de conciliar caminhos que na verdade sempre se opõem.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro Uma vida nos cinemas, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br