A Violencia: Sempre Presente

Uma autentica ros?cea cinematografica, Uma Juventude Alema pode ser considerado uma aula de pensamento em cinema

19/09/2019 14:07 Por Eron Duarte Fagundes
A Violencia: Sempre Presente

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É o primeiro filme de um diretor francês, Jean-Gabriel Périot. Mas se parece muito com as reflexões sócio-político-cinematográficas do realizador alemão Alexander Kluge. Não porque a maior parte das falas se dá em alemão, colhendo imagens de arquivo em que estão os acontecimentos (anos 60 e 70). Essencialmente é uma questão de genética fílmica; como nos filmes de Kluge, um dos cérebros fundamentais do cinema em toda a sua história, vemos uma narrativa documental em que a visão do narrador cinematográfico se alarga para várias perspectivas e põe o espectador numa parede paradoxal, incômoda, da qual é difícil livrar-se.

Uma juventude alemã (Une jeunesse allemande; 2015) se volta para o fenômeno do radical terrorismo de esquerda nas décadas de 60 e 70 do século passado, terror político e devastador simbolizado no pequeno grupo Baader-Meinhof (o nome foi dado pelo imprensa oficial valendo-se dos sobrenomes de dois integrantes do grupo, a jornalista Ulrike Meinhof e Andreas Baader); o olhar de Périot não estabelece um julgamento sobre as ações quer dos terroristas, quer dos elementos a serviço do Estado, o que faz é estabelecer um contraponto áspero entre o abaixo-o-consumismo dos esquerdistas radicais e a incapacidade da sociedade de engolir os métodos do terror. Este estado de coisas foi ao de leve aludido por Luca Guadagnino em Suspiria, a dança do medo (2018); Périot devassa, com impiedade, o universo político germânico de então. O cineasta atinge, na verdade, a perplexidade do observador, com as imagens impressionantes que ele topa para montar um libelo desafiador; ao cabo, a inquietação balança: numa sociedade de escassas perspectivas, quais são as possibilidades duma ação revolucionária? Kluge é uma assombração de formas e temas para os processos cinematográficos de Uma juventude alemã; despejando em sua montagem o concerto formal delirante de Zabriskie Point (1970), do italiano Michelangelo Antonioni, onde o espectador vê objetos do consumo capitalista em destruição visual pelo cinema, e parte duma sequência de Alemanha no outono (1978), filme de muitos diretores, em episódios não nominados nem creditados individualmente, justamente aquela em que Rainer Werner Fassbinder se põe a discutir com sua mãe se o terror tem razão diante duma sociedade engessada (no filme antigo são fragmentos de imagens desta discussão que ressurgem na montagem, enquanto em Périot há uma condensação em cena única).

Jürgen Habermas, o pensador da “nova obscuridade”, aparece citado em Uma juventude alemã. No começo de seu documentário, que é uma montagem intelectual a partir de outros filmes, Périot põe a voz de Jean-Luc Godard retirada de uma antiga realização germânica, a provocar: “É mesmo possível fazer filmes hoje na Alemanha? Possível de um ponto de vista filosófico...” A questão de Périot se endereça, enviesadamente, a seu próprio filme, a seu próprio tempo. O tempo: a violência muda as faces, mas está sempre presente. A filosofia: é possível mesmo existir uma obra tão reflexiva quanto Uma juventude alemã nos dias de hoje?

Uma autêntica rosácea cinematográfica, Uma juventude alemã pode ser considerado uma aula de pensamento em cinema.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro “Uma vida nos cinemas”, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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