A Imagem Documenta o Pensamento Verbal

Saiba o que o cineasta Eric Rohmer ?cabe na melodia visual se encaixa num dos muitos sentidos em que cabe o cinema?

25/01/2013 02:01 Por Eron Fagundes
A Imagem Documenta o Pensamento Verbal

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Certamente o cineasta brasileiro Rogério Sganzerla pensava numa outra coisa quando, dialogando com o diretor norte-americano Nicholas Ray (“o cinema é a melodia do olhar”), deduziu que “o cinema é a melodia do pensamento”. Mas o pensamento como uma melodia visual se encaixa num dos muitos sentidos em que cabe o cinema do francês Eric Rohmer. A árvore, o prefeito e a midiateca (L’arbre, le maire et la médiatéque; 1993) foi rodado em pleno fogo do cinema de Rohmer, logo depois da obra-prima Conto de inverno 1991); e o rigor com que o realizador francês casa a palavra à imagem para produzir um pensamento cinematográfico de natureza filosófica é simplesmente extraordinário em A árvore, o prefeito e a midiateca. Se me permitissem escolher meus filósofos favoritos do século XX, talvez eles não estivessem nos livros, mas no cinema: Rohmer e o alemão Alexander Kluge. Heresia? Quem sabe! Mas também a paixão de um cinéfilo por alguns diretores especiais.

A palavra está no coração do cinema de Rohmer, mas não é uma palavra exclusivamente literária, embora ela nasça dali, da afeição de Rohmer pelos livros; a palavra nos filmes de Rohmer é definida por sua posição no espaço objetivo da imagem cinematográfica, pela entonação do ator, pela luz que cria em conjunto com o verbo o pensamento da personagem, pela relação entre a palavra dita (na boca das criaturas) e a palavra escrita (longos títulos de capítulos, à maneira de romances muito antigos, numa paródia irônica de Rohmer à literatura arcaica). É uma palavra-coração e ao mesmo tempo parte de um corpo orgânico, um universo que Rohmer filma com absoluto senso cinematográfico.

Rohmer é um pouco uma espécie de Racine do cinema. Aplicando uma teoria do romancista francês André Gide, se diria que no cinema de Rohmer o pensamento cria (ou recria) a vida como ela poderia ser, não necessariamente como ela é, embora em muitas sequências se tenha a incontrolável impressão de que uma obra como A árvore, o prefeito e a midiateca seja um documentário da palavra. Há uma cena impressionante neste aspecto: uma garotinha de dez anos diz uma  engenhosa argumentação do roteiro altercando contra o prefeito e sua pretensiosa midiateca. Inverossímil na boca da menina? Não importa: a transparência e a veracidade do diálogo são passadas pela natureza da imagem de Rohmer.

Em A árvore, o prefeito e a midiateca Rohmer ataca polêmicos problemas contemporâneos, o que lhe valeu dores de cabeça de parte da crítica pronta para ver-lhe o lado conservador e antiquado. Um prefeito ambicioso quer fundar uma gigantesca sala multimídia e para isto deve derrubar uma árvore do local. A narrativa de Rohmer se põe mais ao lado do professor que reage a este infrutífero modernismo do político. Mas Rohmer não é tão pragmático assim. O discurso do prefeito diante da menina estabelece as sutilezas e as sinuosidades de um cinema que é muito superior às simplificações que ao longo dos anos lhe quiseram impor.

Saiba o que o cineasta Eric Rohmer “cabe na melodia visual se encaixa num dos muitos sentidos em que cabe o cinema”

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro “Uma vida nos cinemas”, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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