O Texto e o Contexto em Tchekhov

Lado a lado com o contista, o dramaturgo Tchekhov esta no cume das letras

17/10/2020 14:03 Por Eron Duarte Fagundes
O Texto e o Contexto em Tchekhov

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O russo Anton Tchékhov foi um contista  extraordinário, onde a simplicidade da linguagem e da narrativa atingia inesperadas atmosferas literárias, coisas simples mas profundamente subterrâneas e únicas. Diz-se que Tchékhov, pouco antes de sua morte, confidenciou a um amigo que suas obras sobreviveriam a ele o máximo por uns sete anos e  depois estariam esquecidas. Talvez o grande escritor pensasse que seus escritos não tivessem nada a ver com a humanidade que se desenhava para os séculos seguintes. Algo parecido ocorreu com o ficcionista tcheco Franz Kafka, que, ao falecer, determinou a seu amigo Max Brod que queimasse os manuscritos kafkeanos; não cria que aqueles absurdos pudessem comunicar-se com os humanos em torno. Kafka é também um dos herdeiros da precisão vocabular (falsamente objetiva) de Tchékhov.

Lado a lado com o contista, o dramaturgo Tchékhov está no cume das letras. Em As três irmãs (Tri sestri; 1900) o teatro do russo exubera em sua descrição das aparições provincianas de três irmãs que gostariam de viver na grande cidade, Moscou. É um dos mais belos retratos de interior produzidos pela arte humana. As ligações de Olga, Macha e Irina, as manas, são entrelaçadas por frases onde a poesia do cotidiano se vai enleando com graça e beleza inalcançáveis. A peça inicia pela evocação de Olga sobre a morte do pai (“Há um ano que o nosso pai morreu, justamente neste dia, cinco de maio, no dia de seu anjo, Irina. Fazia muito frio e nevava então.") e vai, nos movimentos finais, pela boca da mesma Olga, evocar a alegria de viver, mesmo que nunca se consiga sair da província (“OLGA/Abraça as duas irmãs/ A música é tão alegre, tão animada e dá vontade de viver!”). Um dos contos de Tchékhov chama-se “Histórias dos lusco-fusco”, e com este título o artista define um pouco de sua arte, a melancolia estética profunda extraída dos pequenos gestos humanos e da natureza, assim como o diretor de cinema japonês Yasujiro Ozu se autointerpretou no título de um de seus filmes: a rotina tem seu encanto. Tchékhov, Ozu: artistas do efêmero que se eterniza.

Falando em cinema, é bom lembrar que As três irmãs é uma das fontes de Gritos e sussurros (1972), o mais belo filme do sueco Ingmar Bergman. Desde o início a marcação de cor e cenário de As três irmãs (“Sala de visitas com colunas, atrás das quais se vê um salão”, “Irina, de vestido branco, está em pé, pensativa”) é dado reaproveitado por Bergman em seu filme (as paredes vermelhas, simulando a alma, e as vestes negras, luto ou sofrimento). Também o final luminoso das três irmãs de Tchékhov é revisitado no final solar das três irmãs sofridas do filme de Bergman. “Mas o nosso sofrimento vai se transformar em alegria daqueles que viverão depois de nós” diz Olga numa das orações finais de As três irmãs. O diário de Agnes, no texto final de Gritos e sussurros, debruça-se estranhamente: “Isto, em todo o caso, é a felicidade. Não posso desejar nada melhor. Agora, durante alguns minutos, poderei viver a plenitude. E sinto uma grande gratidão pela minha vida, que me dá tanto.”

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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