Um Dos Menos Estimados Filmes de Lynch
Quando o Duna (Dune, 1984) de Lynch bateu nas telas dos cinemas, a frustracao foi quase geral
Ao aventurar-se pelo complicado universo do romance de Frank Herbert publicado em 1964, o cineasta David Lynch ambicionava fazer seu filme mais amplo, arrojado, definitivo, em seu tempo, uma pedra incômoda rolando pelos degraus da indústria do cinema. Quando o Duna (Dune; 1984) de Lynch bateu nas telas dos cinemas, a frustração foi quase geral: um artista criativo, cheio de um delírio de imagens próprio se perdia em divagações visuais megalomaníacas, tortas e extraordinariamente superficiais, bastante longe das ambições que aparentava.
Rodado para o produtor italiano Dino de Laurentiis, cujas características de gosto por grandes cenários compostos (ele é o mesmo que impôs ao sueco Ingmar Bergman as ambientações grandiloquentes de O ovo da serpente, 1977), Duna deixa claro, desde seu início, que Lynch, graças à interferência autoritária de De Laurentiis, não logrou fazer a narrativa cinematográfica a que seu projeto original visava. É verdade que o realizador exercita seu brilho e excentricidade de encenação bem conhecidos de seus admiradores em tantas obras-primas (como em Império dos sonhos, 2006, e Twin Peaks, o retorno, 2017); assim, não se pode descartar inteiramente o prazer lúdico-fílmico de desfrutar uma obra como Duna; a frustração nasce da estrada percorrida pelo filme, muitos quilômetros a menos que aquilo que tanto o livro de Herbert quanto o talento de Lynch prometiam.
Claro: o filme traz algo dos elementos visionários do universo de Herbert. O retrato rocambolesco dum universo que se destrói pode atingir-nos nos dias que correm. A mutilação do homem por relações humanas autoritárias é um dado sempre atual nas sociedades. Lá pelas tantas, uma frase solta no tumulto de imagens: “Quem controla o Tempero, controla o universo.” Que é o Tempero, quem o controla? Estaríamos diante duma versão pós-moderna de outros dizeres clássicos? Quem controla os meios de produção? (Karl Marx). Quem controla os meios de comunicação? (Umberto Eco). Mas é preciso algum esforço do espectador para dar solidez a estas provocações incipientes. O fato é que nada disto se materializa bem no filme de Lynch.
A produção traz elenco múltiplo. Desde Kyle McLachlan e Francesca Annis nos papéis centrais, até a beleza sinuosa de Sean Young, o enigma sueco de Max von Sydow, a estranheza de Linda Hunt, e tantas outras caracterizações curiosas. O próprio Lynch se põe como um figurante em determinada cena. Para confrontar, temos agora nos cinemas a leitura do canadense Denis Villeneuve.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro Uma vida nos cinemas, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br