Ozu no Japao

No comeco dos anos 2000 apareceu no Brasil o livro O anticinema de Yasujiro Ozu

13/04/2022 13:57 Por Eron Duarte Fagundes
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Durante décadas, o cinema do japonês Yasujiro Ozu permaneceu à margem do conhecimento ocidental, mesmo entre aqueles espectadores voltados para as coisas escassas e difíceis da sétima arte. Foi sua influência sobre um diretor como o alemão Wim Wenders que determinou sua abertura entre nós. E nos anos 70 o ensaio do americano Paul Schrader sobre Ozu, Dreyer, Bresson, onde ele punha o desdramático de Ozu como modelo de cinema transcendental, foi lido com curiosidade. A coisa, todavia, nunca explodiu como em relação a Akira Kurosawa, Kenji Mizoguchi ou Nagisa Oshima: Ozu talvez fosse nipônico demais para cair emocionalmente no espectador de cá; quando ele surgiu em nossas telas, o espanto foi grande: aquele realismo de cena era uma situação-clichê ou transcendia mesmo, como o queria Schrader? No que a crua cena de Wenders se assemelhava aos varais soltos de Ozu? Tivemos dificuldades: mas amamos o cineasta em seus momentos de esplendor. As dificuldades não se prendiam a obscuridade  formal, longe disto, tudo é exasperantemente translúcido diante das câmaras baixas de Ozu, mas o difícil corpo-a-corpo com aquelas encenações nascia duma realidade quase absurda que, por mais que evocássemos velhos filmes do francês Jean Renoir, a genética não era a mesma.

Mas no começo dos anos 2000 apareceu no Brasil o livro O anticinema de Yasujiro Ozu (Ozu Yasujiro No Han Eiga; 1998), escrito por um diretor e escritor japonês, Kiju Yoshida, que conviveu algum tempo com Ozu nos anos que precederam a morte prematura (60 anos de idade) do mestre de Era uma vez em Tóquio (1953). É justamente por este filme que Yoshida começa sua análise; o ensaísta o define como um marco na filmografia de Ozu. “Era uma vez em Tóquio inicia-se com um casal de idosos moradores da cidade de Onomochi (perto de Hiroshima, em frente ao Mar Interior), que viaja para encontrar, depois de muito tempo, os filhos radicados em Tóquio.” Era uma vez em Tóquio ocupa, pois, boa parte do vagar ensaístico de Yoshida; todos os demais filmes observados são iluminados por aquilo que o crítico vê no filme principal e também pela forma como vê os sucessos despojados da trajetória dos velhinhos do filme de 1953. Yoshida, revisitando várias obras de Ozu desde o cinema mudo, formula a hipótese: em todos os seus filmes Ozu refaz os anteriores, é como se estivesse fazendo sempre o mesmo filme. E aponta um de seus incômodos como crítico de cinema: reitera sempre a expressão “típico de Ozu”, diz que a tautologia é inevitável, mas não logra ver de outra maneira.

A visão japonesa da vida que segue até a velhice e o encontro final só poderia ser expressa dessa forma por Ozu, e só poderia ser acompanhada com autenticidade por um patrício de Ozu. Yoshida desacelera a transcendentalidade de Schrader, evocando as ironias realistas do velho mestre. “Na primavera seguinte ao lançamento de A rotina tem seu encanto, Ozu adoece: portava um câncer maligno. Ainda assim, felizmente, experimentou as quatro estações. No dia em que aguardava seu sexagésimo aniversário, em 12 de dezembro de 1963, Yasujiro Ozu tornou-se uma daquelas pessoas que nunca mais retornam.” Que apontamento misterioso é este que Yoshida extraiu de suas leituras cinematográficas de Ozu? Yoshida privou com Ozu, e isto é fundamental; ao visitar seu mestre no hospital universitário, “num dia nublado de outono”, Yoshida ouviu-lhe as palavras paradoxais: “O cinema é drama, não é acidente.” Que drama é esse em que nada acontece, como vemos nos filmes de Ozu? Yoshida lança sua hipótese final: o drama é o de um diretor com sua arte, o cinema que é anticinema porque, anota o ensaísta, é feito de enganos constantes.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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