Documentarista da Palavra
Minucioso nos detalhes, analisando estatisticas e dados, Moreira Salles logra dar a seu trabalho um sentido mais amplo


Com o mesmo senso de observador de seus documentários, João Moreira Salles constrói seu ensaio amazônico, Arrabalde, em busca da Amazônia (2022). Como em seus filmes, há uma objetividade de construção formal que não desdenha uma subjetividade de artista que Moreira Salles, como criador, nunca renega. No prefácio, o autor anota: “O que a floresta pede é mais simples: a nossa atenção.” Ali também ele diz que chegou ao local objeto de seu estudo em agosto de 2019 permanecendo até dezembro e depois tornando ali em fevereiro de 2020 para concluir as análises.
O resultado é um livro em que apontamentos de leituras, conversas com estudiosos, encontros com gente comum diretamente envolvida com o processo florestal, vozes diversas e muitas vezes díspares da relação entre a mata, o resto do mundo e a influência nas mutações climáticas oscilam entre uma aridez científica e o chamamento à razão.
Minucioso nos detalhes, analisando estatísticas e dados, Moreira Salles logra dar a seu trabalho um sentido mais amplo, mais profundo, mais agudo. Poderia ter feito um novo documentário. E o fez em palavras. Sua literatura aqui não deixa de ser uma extensão de seu cinema: ambos em alto padrão. “A pensadora Simone Weil dizia que a atenção é a forma mais pura de generosidade. A floresta sempre precisa de atenção, mas poucos lhe dispensaram esse cuidado simples. Populações indígenas e tradicionais, sim. Naturalistas, exploradores e cientistas, também. Ainda, alguns escritores. Mas a grande massa que, ao fim e ao cabo, colonizou a Amazônia, não.”
Tendo ido ao campo, como todo pesquisador contemporâneo que se preze, Moreira Salles faz o catálogo árduo da realidade amazônica mas faz ali interferir a alma de poeta que um pensador atual deve ter, consoante o francês Edgar Morin. A conclusão traz a nota destes augúrios sonhadores à Dostoievski. “Pouco importa se o objetivo é fantasioso e difícil de alcançar. O que importa é o rumo. Para um país que sempre sonhou baixo, é uma linda ambição, apta a evitar que, no futuro, uma criança olhe para um mogno e acredite que está diante de uma pilha de tábuas de compensado.”
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)


Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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