O Sensorial a Deriva em Ken Russell

Ken Russell foi um dos realizadores cinematograficos mais comentados nos anos 70

07/09/2025 02:25 Por Eron Duarte Fagundes
O Sensorial a Deriva em Ken Russell

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Ken Russell foi um dos realizadores cinematográficos mais comentados nos anos 70. Havia quem adorasse seus delírios visuais psicodélicos (às vezes próximos dos circos barrocos do italiano Federico Fellini, porém condimentados pelos maneirismos britânicos de Russell). Havia quem não tolerasse seu formalismo à deriva, executado amiúde sem rigor e sem senso crítico. Para além disto, havia em Russell uma despudorada provocação moral que produzia estragos e repressões naquela ambígua quadra cinematográfica, os anos 70 do século XX. Os demônios (The devils; 1971) é uma de minhas lacunas fílmicas: não o vi na época, só soube de sua devastadora ação sobre as mentes que então pensavam o cinema e fui vendo outros filmes de Russell entre entorpecedores e dementes, alguns apaixonantes em várias cenas, outros frágeis em sua estrutura final, todos rodados por um homem que parecia estar sob o efeito de alucinógenos. Como acontece aqui em Os demônios, que agora vejo na infindável internet; Russell parece tomado dum espírito semelhante ao de Fellini em Julieta dos espíritos (1965): os assuntos sérios são vistos debochadamente, num outro plano, o de uma visão doida e deformada por pura derrisão.

A base da história trazida pela realização de Russell são duas fontes: o ensaio Os demônios de Loudun (1952), do inglês Aldous Huxley, e a peça Os demônios (1960), que outro inglês, John Whiting, extraiu do texto de Huxley. O que o espectador vê em cena é um drama esotérico, um pouco de terror, realçado pelo grafismo delirante da produção, que se se passa num convento de freiras da França do século XVII, ali se misturando religião, sexo, moral, lutas pelo poder, violência medieval como castigo pelas ousadias eróticas de religiosos, interpretações de possessão para a conduta sexual; Russell é anticlerical, claro, mas deixa sem chão o ponto-de-vista crítico, preferindo delirar sem freios, um pouco à maneira de Fellini, mas também sem a densidade de encenação do italiano.

Curiosamente em 1961 o polonês Jerzy Kawalerowicz fez seu Madre Joana dos Anjos, ambientado num convento de freiras onde todas estavam possuídas pelo demônio e surgia um padre para as exorcizar. É claro que a história polonesa diverge bastante das investidas inglesas, e o rigor ascético de Kawalerowicz se distancia das facilidades formais de Russell. Mas não tem como deixar de associar na mente estes dois polos cinematográficos.

Oliver Reed como o Padre Urbain Grandier e Vanessa Redgrave como a Irmã Joana dos Anjos estão à altura das demências estridentes da narrativa de Russell, que logra transmitir a todo o elenco suas intenções profundamente sensoriais e cínicas, tão de acordo com as liberdades cinematográficas que a curiosa década de 70 permitia a seus artistas e que hoje pode parecer tão anacrônicas quanto impossíveis de reeditar.

Nesta associação entre sexo e religião, recentemente o holandês Paul Verhoeven fez uma obra-prima, Benedetta (2021), ambientado num convento de freiras italiano do século XVII. Verhoeven tem um controle sobre as demências encenadas, sem deixar de instalar o visual da demência, este controle que Russell nunca teve em suas realizações. Ainda assim, Os demônios é um filme que resiste bem a seus anacronismos e chega aqui capaz de apaixonar o espectador em muitos momentos.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro “Uma vida nos cinemas”, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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