Entre Duas Janelas, um Amor Interrompido

A singeleza e a simplicidade são as notas essenciais da música que ecoa em Outono de 68, no livro de Marco Vieira

07/01/2015 10:11 Por Eron Duarte Fagundes
Entre Duas Janelas, um Amor Interrompido

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A singeleza e a simplicidade são as notas essenciais da música que ecoa em Outono de 68 (2014), uma história de amor interrompido nos ferros da ditadura militar brasileira que espocou em nossa realidade na década de 60 do século passado, contada por Marco Vieira. Os porto-alegrenses (que nasceram aqui ou vivem aqui há muito tempo) sentimos entre as palavras escolhidas pelo narrador o ritmo e a linguagem da capital gaúcha, ou ainda o ritmo da linguagem: um perfume verbal muito nosso. No entanto, nada que circunscreva o opúsculo a interesses ou compreensões regionais.

Um amor pode ser interrompido por várias circunstâncias. Pressões da família original ou desavenças circunstanciais que afastam o casal. O amor de Cíntia e Augusto, nascido em Porto Alegre no outono de 1968, foi interrompido pelas pressões da política da época; o governo militar funcionou aqui como um pai que não quer o namoro — e, observemos, Cíntia era mesmo filha de um militar.

A novela se divide em três partes. Na primeira parte, “1968”, se conta o desaparecimento de Augusto, um estudante idealista, nos subterrâneos das perseguições policiais daqueles anos; na época Augusto namorava Cíntia, estudante como ele. Já na segunda parte, “1978”, já vemos Cíntia casada com outro, com filhos, uma psiquiatra da burguesia, mas ainda remoendo os destinos de seu antigo amor que, passados dez anos, ainda estava entre os muitos desaparecidos  dos anos de chumbo, provavelmente enterrado em algum cemitério clandestino ou jogado num valão qualquer. E a parte derradeira, “1988”, traz a surpresa; passa-se toda esta parte em Paris, uma cidade apropriada para as grandes surpresas; quase como nestas situações e cenários dos sonhos inimagináveis, Cíntia dá com Augusto na capital francesa, aonde ela tinha ido para acompanhar seu marido Sérgio que estava a negócios; num café onde ao longo século XX Sartre e Madame de Beauvoir discutiram e amaram, Cíntia e Augusto põem em dia os assuntos cortados por vinte anos, mas depois, incapazes de trazer o passado para o presente, cada um toma seu rumo.

A natureza da linguagem de Marco é oral: não se envergonha das trivialidades dos diálogos, evita os termos e as sintaxes mais rebuscados, as situações são simples, praticamente diretas, como uma crônica em que o tempo flui com leveza, quase o peso duma pluma. A atmosfera da velha Porto Alegre, provinciana e com nossas exclamações e vogais características, ressurge-nos em várias cenas.

“Cíntia com frequência se posta na janela, para observar o movimento na rua. Carros que passam de um lado a outro, bondes que deslizam na Avenida Oswaldo Aranha. Pessoas que transitam com pressa, algumas aguardam o bonde e outras apenas passeiam no interior do parque. O segundo semestre e ela não consegue estudar.”

O narrador articula a vida das personagens com os acontecimentos políticos do país. O desaparecimento de Augusto e a aparição do AI-5 no fim de 1968. A vida estabelecida de Cíntia e a erupção dos movimentos sindicais na região do ABC paulista no fim da década de 70. Para narrar o passado, Marco Vieira se vale do narrador no presente histórico —o passado como se o estivéssemos vendo no momento da leitura diante de nossos olhos. No começo do livro, “Cíntia observa tudo da janela do apartamento, no oitavo andar”, Cíntia espera pelo namorado Augusto e logo o vê chegar no cenário que ela observa da janela do prédio onde mora. No final, em Paris, voltando para casa, “ela, na janela, observa o avião correr pela pista até alçar voo”, o antigo namorado dos tempos estudantis ficou como imagem que foge numa esquina dum bairro parisiense depois dum café. Entre duas janelas, a do apartamento em sua cidade e a do avião que a trará de volta, se passa a vida de Cíntia que é também um reflexo da vida do país. O Brasil, pelo olhar de Cíntia, entre duas janelas.

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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