A Mulher Que Ama e o Filho do Santo

O Amor é repartido em dois episódios, classificados por Rossellini no letreiro do frontispício como ?duas histórias de amor?

31/07/2016 23:14 Por Eron Duarte Fagundes
A Mulher Que Ama e o Filho do Santo

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Certa vez o ensaísta brasileiro Paulo Emilio Salles Gomes observou, ante a chegada do cineasta ao Brasil, que o italiano Roberto Rossellini era mais conhecido por seus romances com atrizes famosas do que por sua obra, tão distante da badalação dos públicos de cinema. Ao ser lançada entre nós, pela Versátil, uma de suas obras-primas pouco referidas, O amor (L’amore; 1948), vem à luz naturalmente a anotação crítica de Paulo Emilio, porque o filme se situa na confluência de seus casos (ou relacionamentos) mais famosos com atrizes, era o momento final de sua convivência sentimental com a italiana Anna Magnani (que interpreta os dois episódios da realização e a cuja arte o segundo episódio é dedicado) pois no ano seguinte ele  abandonaria Anna para viver com a atriz sueca Ingrid Bergman a partir dos bastidores de Stromboli, terra de Deus (1949).

O amor é repartido em dois episódios, classificados por Rossellini no letreiro do frontispício como “duas histórias de amor”. A primeira história vale-se dum monólogo bastante teatral do francês Jean Cocteau. Anna Magnani fica sozinha em cena o tempo todo e Rossellini exige muito dela ao exacerbar seus longos planos fixos para os dizeres cocteauianos de Anna. Ela vive uma mulher doridamente apaixonada que está sempre esperando telefonemas de um amante que constantemente a ameaça de abandono; as falas de Anna ao telefone são quase todo o elemento dramático construído por Anna e Rossellini com uma paixão tão italiana quanto rigorosa. O melodrama francês de Cocteau é controlado pela metafísica estupenda de Rossellini. O amor é um pouco como uma despedida sofrida que Rossellini contracena com Anna; o cineasta e seu amor por Anna é uma presença-ausência nas bordas deste magnífico monólogo cinematográfico. O título da primeira história: A voz humana.

A segunda história de amor de Rossellini chama-se O milagre e foi escrita por um ainda incipiente e desconhecido Federico Fellini. Tem uma carga mística bem ingenuamente peninsular, mediterrânea mesmo. Anna revigora sua notável criatividade como atriz ao viver uma aldeã italiana que, no meio do campo, é seduzida por um pastor de ovelhas, confunde-o com São José, aparece grávida, julga estar esperando o filho de um santo (e portanto estaria santificada) e é motivo de chacota do povo que a persegue zombeteiramente pelas ruas. E Fellini, que escreveu a história nos moldes das fotonovelas da época que ele tanto adorava, interpreta, bem jovem, o pastor; uma personagem estranha, que, diante da tagarelice da criatura de Anna, fica mudo, só exibe um meio-sorriso.

Pode-se dizer que o show interpretativo de Anna nos dois episódios diverge bastante do sentido do estrelato tradicional do cinema, pois Rossellini trabalha os atores (mesmo uma estrela, como Anna) em outros parâmetros. O amor vai-se afastando do neorrealismo ainda vigente, porém os respingos da realidade de filmar instaurado em Roma, cidade aberta (1945) deixa marcas inconfundíveis; mas há em O amor um tom mais fechado, mais para dentro que já anunciava os filmes que ele rodaria nos anos 50 com Ingrid e mudariam a face do cinema. Bem pensado, o caso de Rossellini com suas atrizes desenhou os rumos do seu cinema; e neste sentido O amor é um encontro de águas dissonantes mas complementares.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro “Uma vida nos cinemas”, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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