O Labirinto Arqueolgico no Cinema de Herzog

Erin Fagundes discute a obra de Herzog atravs de "Caverna dos Sonhos Esquecidos"

10/03/2013 01:03 Por Eron Fagundes
O Labirinto Arqueológico no Cinema de Herzog

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Talvez seja preciso recorrer aos cumes do cinema do alemão Werner Herzog (Fata Morgana, 1969; Aguirre, a cólera dos deuses, 1972; Coração de cristal, 1976) para encontrar uma profundidade arqueológica tão aguda quanto esta de Caverna dos sonhos esquecidos (Cave of  forgotten dreams; 2011). Em Herzog o senso arqueológico do cinema (uma câmara que investiga a relação entre a paisagem áspera e indiferente e o ser incógnito ou isolado ou perdido no universo) corresponde a uma acuidade plástica que é igualmente arqueológica: remete aos tons brutos e todavia elaborados duma arte inicial. Se em Fata Morgana são criaturas e cenários mal definidos do deserto, em Aguirre é um conquistador espanhol que se desregula em cada quadro diante da ambientação e em Coração de cristal é um profeta que hipnotiza a própria imagem do cinema, em Caverna dos sonhos esquecidos é a própria aventura de olhar pelo cinema um labirinto histórico-artístico arqueológico que deflagra a grandeza inevitável da ação-passo de um cineasta que significa a própria câmara cinematográfica.

Falado basicamente em inglês, com alguns excertos em francês (algum pesquisador francês que não falasse inglês ficava em sua língua natal mesmo), Caverna dos sonhos esquecidos é certamente a realização cinematográfica que mais apropriadamente se valeu do recurso da terceira dimensão, hoje quase um lugar-comum. Dentro deste processo de filmagem, é como se Herzog facilitasse ainda mais a inserção do observador dentro de seu universo de sonhos e delírios muito particulares. O espectador sente-se um pouco dentro do olho de Herzog: o espectador está lá dentro da caverna, está na pele da câmara, divagando por aquele espaço como aquele crocodilo albino do final que poderia, dentro da caverna, olhar para o processo milenar da arte de sempre.

Fala-se de Caverna dos sonhos esquecidos como de um documentário. Assim também se evoca Fata Morgana. Mas o documentário em Herzog é sempre uma outra coisa. Ele altera, com seu saber e seu humor característico, as coisas que estão sendo filmadas: sente-se isto desde a primeira imagem em que se descarrega o mundo na tela. Antes de mais nada, ele transforma esta caverna de Chavet Pont-d’Arc, que fica no sul da França, numa mimetização do próprio cenário em que se veem filmes: os templos dos filmes, que são as salas de cinema, já foram chamados por um crítico de “cavernas escuras”; e este esconderijo das primeiras pinturas feitas pelo homem, e milagrosamente conservadas graças a um acidente da natureza em idade remota, sobretudo filmadas em terceira dimensão como se estivéssemos num ateliê cheio de cortinas, é bem uma caverna escura como uma sala de cinema.

Ora centrado nos investigadores que entrevista, ora voltando-se para os silêncios visuais magistrais daqueles traços desenhados sobre as paredes da caverna, a espaços retirando-se para a beleza externa da paisagem do vale que circunda interiores (o rio Ródano, que nasce na Suíça, entra em território francês, subaparecendo inclusive na famosa ponte de Avignon, e vai desaguar esplendorosamente no Mediterrâneo, é filmado entre verdes pela mestria de Herzog), Caverna dos sonhos esquecidos é aquilo que diz seu próprio título: uma caverna cinematográfica onde se depositam os sonhos que esquecemos e são inevitavelmente acionados quando um artista como Herzog se põe em marcha.

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro “Uma vida nos cinemas”, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a dcada de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicaes de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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