Labirinto de Intencoes

A influencia das vivencias das pec,as do dramaturgo alemao Bertold Brecht est? presente em Cidadao Klein

07/04/2020 13:49 Por Eron Duarte Fagundes
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Depois das perseguições políticas que lhe empreenderam nos Estados Unidos nos anos 50, o diretor de cinema norte-americano Joseph Losey entregou-se a uma carreira itinerante. O cinema de Losey internacionalizou-se, mas nunca perdeu sua identidade e sua profundidade. Cidadão Klein (Monsieur Klein; 1976) foi seu primeiro filme rodado na França e é uma de suas investigações político-antropológicas mais labirínticas; apesar de suas complexidades narrativas, tem um dizer cinematográfico translúcido e sempre atual; o filme anda meio esquecido, mas é certamente uma das obras-primas do cineasta; a cópia que foi exibida  na Mostra Jeanne Moreau, no cinema Santander, em Porto Alegre, faz alguns anos, era avermelhada, borrada, tinha problemas nas trocas de rolos e de maneira alguma fazia jus à evocação do cinéfilo que desfrutou a plástica sombria utilizada por Losey quando a fita aportou por aqui nos anos 70; mesmo assim, o roteiro engenhoso de Cidadão Klein e a linguagem cinematográfica de medição minuciosa e lenta mantinha a atmosfera opressiva e perversa da narrativa.

A influência das vivências das peças do dramaturgo alemão Bertold Brecht está presente em Cidadão Klein. Primeiramente um rigoroso distanciamento para com o objeto encenado é o que informa o olhar do filme. É claro que as teorias de Brecht foram concebidas pensando no teatro, que é uma linguagem diversa da do cinema; seria impossível a Losey adaptar ipsis literis sua visão de espectador-leitor de Brecht a seu cinema, mas mesmo assim seu cinema (e em Cidadão Klein isto se evidencia) não deixa de ser também uma leitura fílmica do universo formal de Brecht. E no plano temático de Cidadão Klein Losey insere o clássico conceito brechtiano de que, cedo ou tarde, os alienados da realidade política são convocados para tomar parte na ação social, por bem ou por mal. Robert Klein (desempenho extraordinário do francês Alain Delon: o próprio Delon tem preferência por esta sua interpretação) é um antiquário que se aproveita do desespero de judeus ricos na França dominada pelos nazistas, comprando-lhes quadros a preços de banana; ao descobrir que há um judeu fichado pela polícia cujo nome é também Robert Klein, o protagonista resolve investigar brejeiramente o caso; mas, com o passar do tempo, as ações do Klein judeu passam a comprometer cada vez mais o Klein antiquário, ficando este também sob a mira dos perseguidores de judeus. O final é emblemático, irônico, cruel, dignamente brechtiano: o Klein antiquário é enfiado num trem de judeus e mandado provavelmente para um campo de concentração. A perplexidade final do Klein antiquário desbarata sua inocente alienação; e o rosto de Alain Delon vislumbrado no escuro interior do trem capta bem este sentimento.

A francesa Jeanne Moreau, a homenageada da mostra do Santander, tem breves aparições no filme; mas como sempre, suas aparições são marcadamente precisas. Um filme densamente político e introspectivo como Cidadão Klein contou com estrelas como Jeanne e Alain para dar peso comercial a uma estética ousada, quase sem comunicação com o público habitual; e Delon foi também o produtor da realização: mas o astro  mesmo é Losey, capaz de dar profundidade a um labirinto de intenções entre o simbólico e o direto.

A questão do homem duplo, ao que parece, é ancestral e não se pode descartar a possibilidade de Losey a ter ido buscar em William Wilson, conto do norte-americano Edgar Allan Poe, que também trata dum homônimo do protagonista. O brasileiro João Batista de Andrade tratou do duplo em O homem que virou suco (1981), mas o poeta e o operário criminoso eram sósias mais que homônimos; curiosamente, neste filme de Batista de Andrade Losey fazia uma ponta como um vigarista estrangeiro e sua inclusão como ator no filme brasileiro, me ocorre agora, talvez fosse uma homenagem do diretor de O homem que virou suco a Cidadão Klein.

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro “Uma vida nos cinemas”, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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