As Circunstncias do Sexo
Gasto Cruls um dos muitos escritores brasileiros hoje ignorados
Pôr-do-sol do Arpoador (2014). Cenário onde se dá a última cena de “De Pai a filho”
Gastão Cruls é um dos muitos escritores brasileiros hoje ignorados. Embora seja carioca, seu livro mais referido trata da Amazônia e data dos anos 20 do século passado. Este livro é citado pelo cineasta Ivan Cardoso como uma das inspirações para um de seus filmes. Mas não é este Cruls que conheço. De Cruls só li um romance, logo que cheguei a Porto Alegre, ali pelos meus dezoito anos, frequentando a Biblioteca Pública Municipal. Trata-se de De pai a filho (1954), sua derradeira obra, pois o autor morreria em 1959. Que lembro desta leitura? Uma linguagem depurada de sintaxe não habitual, um protagonista femeeiro cuja sífilis mal curada leva à loucura final antes da morte e o filho deste protagonista que assume o protagonismo narrativo na terça parte final do romance, este filho sofre de timidez e impotência sexual e seu suicídio é narrado por sinuosas e sutis elipses nas frases que encerram o narrado. Vasculhando sebos, reencontro agora o velho romance de Cruls; relendo-o, permanece o fascínio por uma linguagem de refinamentos clássicos e tensões sexuais e dramáticas que nunca deixam de interessar e às vezes encantar.
Alberto é o devasso da alta burguesia carioca que percorre o mundo fazendo sexo e buscando experiências de vida. Até que acaba casando-se com Teresa, a moça de família que o espera. Têm um filho: Betinho. Alberto passa a ter surtos de frenesis sexuais: muitos confundem esta fase com seu passado dissoluto na juventude. Mas na verdade é a loucura provocada pela sífilis, é esta loucura que se vem instalando na mente e no corpo de Alberto. Alberto morre, como esperado. E então surge em cena Betinho, fisicamente parecido com o pai; no entanto, na questão sexual Betinho é o oposto do pai: retraído e quase virgem. O fracasso de Betinho diante da última mulher desejada sela seu destino. E o narrador vai estabelecer o contraste entre o belo cenário carioca e estes sombrios caminhos interiores de Betinho.
“Nessa noite Betinho não voltou para casa. Andou por um lado e outro, vagueando, a esmo, pelas ruas desertas. Entrou em muito botequim. Por fim, já de manhãzinha, um bonde levou-o a Ipanema.”
Três asteriscos interrompem o narrar. E ao cabo as frases terminais: “Seu corpo, mancha escura a destacar-se entre golfões de espuma, apareceu três dias depois, junto às pedras do Arpoador.” O corpo de Betinho levou três dias para, pelo interior escuro das águas do mar carioca, ir de Ipanema, onde um bonde o deixara, até chocar-se, e por ali ficar, com as pedras da praia do Arpoador, a alguns passos da divisa com Copacabana. O transeunte que hoje caminha pelo calçadão de Ipanema e chega enfim ao Arpoador em busca do pôr-do-sol junto às pedras, se tiver lido De pai a filho, pode contrastar-se com o distante destino do corpo de Betinho, um destino sombrio em cenário e alma.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a dcada de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicaes de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br