O Inverno do Amor em Puchkin
Ainda que mundialmente conhecida, a literatura russa tem tesouros ainda escondidos


Alexandr Púchkin é um autor russo mais citado como poeta na história literária. No entanto, dadas as diferenças de sonoridade entre as línguas eslavas e as línguas ocidentais, as aventuras em versos de Púchkin são desconhecidas no Ocidente. Menos citados são seus trabalhos como prosador. Na Rússia ele é tido como expressivo contista. A nevasca (1830) é um de seus contos mais aludidos.
Trata-se duma história de amor marcada pela utilização narrativa do rigoroso e muito famoso inverno russo. São os absolutos deste inverno que estorvam a fluência do amor em A nevasca. A personagem central, Maria Gavrílovna, é dada em suas cartas íntimas numa das frases no início do livro. “Maria Gavrílovna tinha sido criada em meio aos romances franceses e, consequentemente, estava apaixonada.” Se Dom Quixote, na pena de Cervantes, construía seu mundo a partir das novelas de cavalaria da Idade Média, a criatura de Púchkin edificava seu universo sentimental lendo os românticos franceses seus contemporâneos. A literatura determinava o comportamento das pessoas: como hoje, as redes sociais na internet. Quem era o objeto do amor da Maria de Púchkin? “O objeto daquele seu sentimento era um pobre sargento-mor que passava as férias em sua aldeia.” Amor proibido pela família, dada a condição social precária do pretendido, restava aos amantes um plano de fuga.
Púchkin relata, em simultaneísmo de ações narrativas, os passos de Maria e de Vladimir, o desejado, antes da execução da fuga. Maria escapando-se do jantar em família: recusando-o. Vladimir começando a dirigir-se ao encontro da amada. “Contudo, assim que Vladimir saiu da aldeia e enveredou pelos campos, começou a ventar e fez-se uma tempestade tão grande que ele não enxergava mais nada. E, “num só minuto a neve obstruiu a estrada”.
Vladimir e Maria se perdem um do outro. A culpa é da nevasca. Aparece outro amante de Maria, Burnin. O desfecho revela, no encontro com Maria, que Burnin e Vladimir são a mesma pessoa, ou um o retorno do outro. Há algo de gótico nisto.
“—Meu Deus, meu Deus! —disse Maria Gavrílovna, pegando a sua mão. —Pois você! E não me reconhece?”
Ainda que mundialmente conhecida, a literatura russa tem tesouros ainda escondidos.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)


Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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