Brincadeira Delirante
Nossos hermanos se mostram, cada vez mais, talentosos para dirigir e roteirizar suspenses inteligentes como em Delirium
Brincadeira Delirante
Ricardo Darín. Escreva este nome num site de buscas e dezenas de filmes argentinos vão aparecer, um mais interessante que o outro. Não bastasse ser talentoso em seu ofício, o ator argentino ainda esbanja simpatia em suas entrevistas e mantém seu jeito simples mesmo recebendo várias propostas para atuar fora de seu país, mesmo tendo como promessa cachês bem convidativos. O “estilo Darín” é tão verdadeiro que seu criador permite rir de si mesmo e de seu sucesso não só nos bastidores. Acompanhado de um elenco jovem, ele colabora para que o filme Delirium seja uma diversão saudável de pouco mais de uma hora e meia.
O diretor Carlos Kaimakamian Carrau, que tinha no currículo o cargo de diretor de segunda unidade do filme Leonera, de Pablo Trapero, deixa claro em cada uma das cenas de Delirium que a proposta de sua produção é não ser levada a sério. Em tempos onde roteiros medíocres chegam ao mercado com ares de obras-primas graças ao marketing das distribuidoras, é um ato de coragem. Delirium tem três protagonistas, os jovens Martin, Mariano e Federico (Fellini?), todos em situação crítica, tanto financeira como pessoal. Dispostos a mudar o rumo de suas vidas, eles tentam ganhar muito dinheiro de forma rápida e simples. Depois de uma longa troca de ideias, eis que surge o que parece ser a solução: fazer um filme. Mais precisamente, um filme com Ricardo Darín. O que acontece depois da decisão de tornarem-se diretores de cinema mesmo sem nunca terem estado perto de uma câmera provocam risos em vários níveis. Quem não entende nada do fazer cinema como os personagens, acha graça das gags e das piadas certeiras, em especial os comentários maliciosos de Mariano. Já os mais acostumados à Sétima Arte divertem-se com as citações pop e as referências cinematográficas.
Delirium já seria um bom filme por seu roteiro, que transforma o envolvimento do grande ator do cinema argentino atual com três pseudo-cineastas em uma verdadeira revolução que comove toda a Argentina e, mais tarde, o mundo. Porém, seu estilo de câmera também diverte e não faz cerimônias para surgir na tela. Logo nos primeiros minutos de exibição, Delirium já exibe uma câmera que vai de um personagem ao outro com rapidez e, porque não, agindo como um espectador. O rompimento da quarta, ou seja, a hora em que os personagens agem como se soubessem da existência do público, acontece de forma discreta. Mariano, Martin e Federico agem com seriedade diante de situações bizarras, como a ida até o Instituto Nacional de Cinema e Audiovisual num clima de filme de terror para adolescentes. As cenas de Darín não são muitas, mas é ele que conduz a história, ou melhor, é sua persona. À vontade ao dividir a cena com colegas mais jovens, o ator mostra ter timming cômico, mesmo quando o motivo do riso é a sua fama entre os argentinos.
Nossos “hermanos” se mostram, cada vez mais, talentosos para dirigir e roteirizar suspenses inteligentes e dramas humanos e que respeitam o espectador. A comédia, quando aparece, quase sempre é como pano de fundo para se tratar de um assunto mais sério. Delirium, ao contrário, foi feito para rir. São argentinos fazendo graça com seus próprios defeitos, com coisas “da gringa”, com seus amados atores. Um exemplo a ser seguido por alguns aspirantes a diretores, que querem iniciar uma carreira se levando muito à sério. Rir de si mesmo ainda é a melhor arma para levarmos nossos dias. Cinema não é pra os fracos. E muito menos para os rabugentos.
Sobre o Colunista:
Bianca Zasso
Bianca Zasso é jornalista e especialista em cinema formada pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA). Durante cinco anos foi figura ativa do projeto Cineclube Unifra. Com diversas publicações, participou da obra Uma história a cada filme (UFSM, vol. 4). Ama cinema desde que se entende por gente, mas foi a partir do final de 2008 que transformou essa paixão em tema de suas pesquisas. Na academia, seu foco é o cinema oriental, com ênfase na obra do cineasta Akira Kurosawa, e o cinema independente americano, analisando as questões fílmicas e antropológicas que envolveram a parceria entre o diretor John Cassavetes e sua esposa, a atriz Gena Rowlands. Como crítica de cinema seu trabalho se expande sobre boa parte da Sétima Arte.