Revisitando Cabaret

Clássico musical terá sessão especial no Cinesesc em São Paulo dia 23 de janeiro

22/01/2018 10:01 Por Rubens Ewald Filho
Revisitando Cabaret

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Cabaret (Idem)

EUA, 1972. 124 min. Direção de Bob Fosse.Roteiro de Jay Allen, baseado na peça de John Masteroff, e na peça I Am a Camera, de John Van Drutten e os contos de Christopher Isherwood. Com Liza Minnelli, Michael York, Helmut Griem, Marisa Berenson, Joel Grey, Fritz Wepper, Marisa Berenson, Elisabeth Neumann Viertel.

Sinopse: Um americano com pretensões a virar escritor se muda para Berlim em 1931, quando os nazistas estão começando a ganhar poder. Envolve-se com uma cantora de Cabaré Sally Bowles e num perigoso triângulo amoroso.

Comentários: Hoje já não existem mais cabarés, substituídos por discotecas ou danceterias. Mas houve tempo em que a diversão noturna era em night-clubs, uma espécie de versão americana e mais luxuosa dos cabarés europeus. Onde não havia pretensões, se misturavam pobres e ricos, mulheres de boas famílias e prostitutas, todos em busca da mesma diversão, do show, do espetáculo e por que não, do proibido. Foi num cabaré que o professor Rath encontrou a mulher fatal que iria destruí-lo Lola Lola no clássico O Anjo Azul, com Marlene Dietrich. Era em cabarés noturnos que Edith Piaf começou cantando como se viu na sua biografia. Foi num desses lugares que aconteceram as confusões sexuais de Victor ou Victoria, a história de uma mulher que se disfarçava de homem que se vestia de mulher. Foi num cabaré em Paris em se inventou a mais famosa das danças o Can-Can, que originalmente era feito pelas coristas do Moulin Rouge da forma tradicional, mas sem calcinhas. Foi em cabarés da Lapa carioca que vivia o lendário marginal brasileiro Madame Satã. Mas nada descreve melhor um cabaré do que a canção de Liza Minnelli, no filme de Bob Fosse, onde ela confessa “A vida é um cabaré, velho amigo, venha ao Cabaré”.

Inspirado em fatos reais autobiográficos, narrados por Christopher Isherwood (1904-86) no livro “Goodbye to Berlin” (que virou também o filme A História do Meu Passado/ I am a Camera, com Julie Harris e Laurence Harvey, 1955). É muito diferente a adaptação para o cinema do musical da Broadway que levou o Tony de 1966, Cabaret, de Fred Ebb (1928-2004) e John Kander (1927-), que teve pelo menos duas montagens no Brasil, a última com Claudia Raia. Para o cinema, o produtor foi o experimentado Cy Feuer que aceitou conversar com Bob Fosse (1927-87) - este foi indicado pelo famoso diretor Harold Prince, Liza foi contratada antes dele, mas os dois eram amigos! - depois da recusa de Gene Kelly e Billy Wilder. Ele havia começado como uma espécie de herdeiro de Fred Astaire na MGM , depois se tornou coreógrafo lá mesmo (de Kiss me Kate/Dá-me um Beijo de Cole Porter e Jejum de Amor na Columbia), mas com o fim dos musicais de cinema foi para a Broadway onde investiu como coreógrafo ao lado da esposa estrela Gwen Verdon (com quem faria vários shows memoráveis como O Parceiro de Satanás). Um deles, Charity Meu Amor (Sweet Charity, 69), ele transpôs para o cinema de forma muito inventiva com outra amiga Shirley MacLaine, que foi fracasso de bilheteria (até pelo tema central que era uma prostituta!). Ainda assim resolveram arriscar com o novo gênio do palco dando-lhe porém um orçamento muito baixo porque o projeto também era arriscado. Na verdade, se tornou o primeiro musical a abordar um tema sério (depois de West Side Story, mas esse era no fundo uma variante de Romeu e Julieta). Aqui se fala da ascensão do nazismo e do fim de Berlim como a cidade mais criativa do mundo. Nunca se fazia até então musicais sobre uma tragédia como a perseguição dos judeus e o começo do que viria a se tornar a Segunda Guerra Mundial. Por isso o filme se tornou tão memorável. Mas foi Fosse quem teve a ideia central, que foi cortar todos os números musicais que não passassem num palco, no Cabaret (geralmente comentando a ação que está sendo mostrada) Uma única exceção que é o hino Tomorrow Belongs to Me, cantando num parque, onde há uma cervejaria alemã e que só aos poucos revela que se trata de um hino nazista! (por vezes é confundida, mas a dupla de compositores é nazista). O que perturba muito a plateia e é uma das sacadas brilhantes dos autores. Especula-se sobre quem teria cantado Tomorrow Belongs to Me e, segundo a biografia de Fosse, a voz é do ator da Broadway Mark Lambert, que teria recusado pintar o cabelo de loiro e foi substituído por uma figura anônima.

Na peça Sally é uma moça inglesa e o rapaz Brian é britânico, no filme sucede o oposto. Cinco outras canções da montagem original não chegaram a tela no seu formato original. Mas são ouvidas de música de fundo. Don´t Tell Mama era a canção que apresentava Sally (no palco, Jill Haworth de Exodus) e aqui usada quando ela serve ostras, quando tenta seduzir Brian como gramofone é a vez de It Couldn´t Please Me More. Quando Sally e Brian falam em se casar ouve-se Heiraten (Married) na versão alemã de Greta Keller (mais tarde repetida). Sitting Pretty é usada no restaurante de luxo e ouve-se ainda So What (no palco, a senhora judia que é dona da pensão tem papel mais extenso com seu romance com o inquilino de idade, aqui são meros coadjuvantes e as canções deles cortadas). A mudança mais drástica foi chamar Liza Minnelli para o papel principal. Originalmente Sally seria uma cantora sofrível que jamais faria sucesso. Não é o caso de Liza, filha da lendária Judy Garland e que estourou com este filme. Foram escritas para ela canções que funcionavam melhor para ela e que deste então foram incorporadas as remontagens. Maybe This Time era uma canção do baú dos compositores que foram convencidos a usá-la no filme para expressar a dúvida amorosa e profissional de Sally (por isso por não ser escrita especialmente para o filme não pode ser indicada ao Oscar). Não esqueçam também que Kander e Ebb eram os descobridores de Liza que a lançaram na Broadway em Flora, The Red Menace (que deu a ela o Tony). E lhe escreveram clássicos como New York, New York.

De qualquer forma foram as decisões corajosas de Fosse que tornaram o filme tão fácil de ver para o espectador comum (que sempre se queixavam que as pessoas não cantavam na vida real no meio de uma conversa!). Essa lição depois foi aplicada também no filme Chicago pelo diretor Rob Marshall (tudo é mostrado pelo ponto de vista da heroína) que ganhou o Oscar de melhor filme em 2002. Não apenas isso, mexeu na trama colocando um romance proibido entre caça dotes e uma jovem judia (Berenson) e pela primeira vez mexendo com bissexualismo (não apenas na figura andrógina do Apresentador), mas com o herói Brian tendo um caso com o homem rico Maximilian ao mesmo tempo que Sally, formando um ousado, ainda mais para a época, triângulo amoroso. Musicais então eram apenas escapismo. Outro momento forte: quando o MC, o Apresentador, diz que está apaixonado por uma gorila e que você também se apaixonaria por ela caso conseguisse vê-la por seus olhos! (If You Could See Thru My Eyes, o número favorito de Joel, sardônico e sensível).

Cabaret tem ainda a distinção de ter ganhado 8 Oscars, mas não o de melhor filme, mas por outro lado derrotou um clássico (hoje) do cinema que foi O Poderoso Chefão (que levou apenas ator Brando, roteiro e filme). A falta de grana fez com que Liza servisse de assistente não assumida de Fosse e até fizesse figuração nas poucas cenas de rua (a maior parte do filme foi feito em Munique, num estúdio onde rodaram A Fantástica Fábrica de Chocolate). Foi ela própria que desenhou sua maquiagem (o making of do DVD mostra parte dele, onde teria tido ajudado pai diretor Vincente Minnelli). Joel Grey é o pai de Jennifer Grey que ficaria famosa não muito tempo depois por Dirty Dancing. O American Film Institute colocou Cabaret no 63º lugar na lista dos melhores filmes de todos os tempos. Liza foi a única vencedora do Oscar até então cujos pais também haviam sido premiados pela Academia. O personagem de Sally foi inspirada num aspirante a atriz chamada Jean Ross, que não gostou do que Isherwood escreveu dela. Na vida real, era membro do Partido Comunista e dizia mesmo ter sido espiã. Foi casada com o filho de jornalista famoso e descrita como uma mulher bonita e fina, não vulgar como Sally. Money Song escrita para o filme foi grande sucesso e desde então também está nas montagens teatrais. O importante é que o filme revelou o talento monumental do coreógrafo e diretor Fosse, que até é lendário, até por causa de sua morte prematura. Foram oito Oscars incluindo o de atriz (Liza), ator coadjuvante (Grey), diretor, fotografia e trilha musical adaptada, montagem, direção de arte e som. No mesmo ano de Cabaret, Fosse entrou para a História ganhando também o Emmy pelo show Liza With e o Tony pelo musical Pippin, único caso em que isso sucedeu na mesma temporada! Na lista dos melhores musicais de todos os tempos deixe lugar reservado para este clássico bem junto com Cantando na Chuva e West Side Story.

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Sobre o Colunista:

Rubens Ewald Filho

Rubens Ewald Filho

Rubens Ewald Filho é jornalista formado pela Universidade Católica de Santos (UniSantos), além de ser o mais conhecido e um dos mais respeitados críticos de cinema brasileiro. Trabalhou nos maiores veículos comunicação do país, entre eles Rede Globo, SBT, Rede Record, TV Cultura, revista Veja e Folha de São Paulo, além de HBO, Telecine e TNT, onde comenta as entregas do Oscar (que comenta desde a década de 1980). Seus guias impressos anuais são tidos como a melhor referência em língua portuguesa sobre a sétima arte. Rubens já assistiu a mais de 30 mil filmes entre longas e curta-metragens e é sempre requisitado para falar dos indicados na época da premiação do Oscar. Ele conta ser um dos maiores fãs da atriz Debbie Reynolds, tendo uma coleção particular dos filmes em que ela participou. Fez participações em filmes brasileiros como ator e escreveu diversos roteiros para minisséries, incluindo as duas adaptações de “Éramos Seis” de Maria José Dupré. Ainda criança, começou a escrever em um caderno os filmes que via. Ali, colocava, além do título, nomes dos atores, diretor, diretor de fotografia, roteirista e outras informações. Rubens considera seu trabalho mais importante o “Dicionário de Cineastas”, editado pela primeira vez em 1977 e agora revisado e atualizado, continuando a ser o único de seu gênero no Brasil.

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