O Mundo em Transformacao
Os documentaristas americanos Steven Bognar e Julia Reichert captam, em Industria Americana (American factory; 2019), as transforma?cos sociais e economicas do universo do trabalho
Os documentaristas americanos Steven Bognar e Julia Reichert captam, em Indústria americana (American factory; 2019), o filme vencedor do Oscar de melhor documentário na edição de 2020, as transformações sociais e econômicas do universo do trabalho: cada vez mais a automação vai eliminando algumas profissões e os seres humanos precisam adaptar-se. O ponto inicial do olhar dos realizadores americanos foi o fechamento duma fábrica da General Motors em Ohio, na crise de 2008, dando em muitos americanos desempregados; então os chineses, com seu olho clínico-negocial, se valeram dos escombros dos cenários da GM para montar uma fábrica de vidros, misturando trabalhadores chineses e americanos. O choque cultural dá-se: sindicatos e legislação trabalhista atrapalham o sistema chinês, que nominalmente é dito comunista e no entanto é mais asperamente neoliberal que em qualquer lugar do mundo. O liberalismo americano não se casa muito bem com as formas econômicas austeras dos chineses, que parece ser algo adiante do neoliberalismo ocidental. Bognar e Reichert põem em choque complexo os universos do Oriente e do Ocidente, por assim dizer.
O filme fora exibido num festival de cinema; dois executivos da High Ground Productions, empresa do casal Barack e Michelle Obama, estavam presentes no festival e acertaram os direitos de produção final, divulgação e distribuição do filme, juntamente com a Netflix, que é o canal onde atualmente se pode ver Indústria americana.
Quem assistiu, há alguns anos, em salas alternativas no Brasil, à obra-prima A oeste dos trilhos (2003), do chinês Wang Bing, que também era um documentário, vai descobrir que a visão oriental da submissão trabalhista chinesa tem um lamento que escapa à visão americana, os americanos pintam o trabalhador chinês um pouco como um robô, contrapondo-o ao trabalhador americano como um operário mais rebelde. O conflito da visão americana de Indústria americana sobre um acontecimento sino-americano (trabalhadores chineses e americanos no mesmo espaço) se insere nos próprios conflitos temáticos da realização, enriquecendo a visão que se possa ter da grandeza e dos limites do documentário em exibição na Netflix.
Depois de longo contemplar sobre os paradoxos culturais sino-americanos, Indústria americana aponta, em seus letreiros finais, para seu verdadeiro assunto: as transformações do trabalho humano. Algo que sempre ocorreu na história da humanidade: mas nunca deixa de renovar seus sustos e percalços.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro Uma vida nos cinemas, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br