Um Caso de Adulterio Segundo Ophuls
A maliciosa figura feminina de Desejos Proibidos contrasta um pouco com o tragico desesperancado da protagonista de Lola Montes
François Truffaut reivindica no alemão Max Ophüls como “o melhor cineasta francês juntamente com Renoir”, em 1957, à beira do túmulo do realizador germânico. Desejos proibidos (Madame D...; 1953), seu penúltimo filme, dá bem a medida de sua contribuição às características francesas de filmar, cuja influência sobre muitos diretores franceses, incluindo-se aí Truffaut, é um dado que nos faz perguntar: não teria o teutônico Ophüls sido o inventor de um certo cinema francês?
Extraído dum romance de Louise de Vilmorim e filmado com o luxo visual (exigido por Ophüls) pelo fotógrafo Christian Matras, Desejos proibidos começa na verdade com uma narrativa azafamada, preenchendo os quadros com uma movimentação das personagens e um encadeamento de detalhes de evolução da história (perda, ou falsa perda, de brincos num teatro indo parar num especulador e iniciando a trilha dum sinuoso adultério envolvendo uma mulher da nobreza, casada com um general, e um barão lascivo) que logo depois deságua na habitual introspecção de filmar de Ophüls; em seu filme seguinte, Lola Montès (1955), Ophüls repetiria e exacerbaria o processo de expor uma alternância entre uma sofisticação superficial saltitante (o apresentador de circo e a ligeireza dos números) e uma densidade opulenta e refinada que seria um legado do cinema francês posterior (o retrato cruel duma mulher usada pelos poderosos e pelo espetáculo e jogada depois na sarjeta).
A maliciosa figura feminina de Desejos proibidos contrasta um pouco com o trágico desesperançado da protagonista de Lola Montès. Porém, como Lola, a condessa Louise de... sucumbe a uma sociedade moralista e hipócrita; nas veias de Louise, tal como o vê Ophüls, o adultério respira naturalidade: seus encontros com o amante, o barão italiano Fabrizio Donati, têm a pureza dos encontros de irmãos, e os liames das trajetórias dos brincos é um dado de curiosidade brincalhona que segue uma espécie de feitiço narrativo que pode lembrar certas coisas do norte-americano Orson Welles. No centro do trio interpretativo os franceses Charles Boyer e Danielle Darrieux (o casal casado) e o italiano Vittorio De Sica como o amante dela (De Sica, tão extraordinário ator quanto o foi como cineasta, faz um dos mais notáveis sedutores de mulheres da história do cinema).
Há em Desejos proibidos uma cena básica e breve: uma mulher diante do espelho, um cenário barroco e um rosto de mulher visto dentro do espelho. Pode-se dizer que Desejos proibidos traz muito da gênese duma imagem espelhada em sua composição do quadro. Segundo Truffaut, a ideia inicial de filmagem de Desejos proibidos era filmar toda a história vista por meio de espelhos em paredes ou nos tetos. O alemão Rainer Werner Fassbinder se aproximou muito disto em Effi Briest(1974). Como os produtores de Desejos proibidos recusaram a técnica ousada de Ophüls, este fez uma planificação visual como se a câmara fosse um espelho: na utilização dos cenários e nos gestos dos atores, criando um efeito semelhante ao da filmagem por espelhos.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro Uma vida nos cinemas, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br