A Vida Segundo Roger
O documentário Life Itself - A Vida de Roger Ebert, realizado por Steve James, tinha como ideia inicial realizar uma versão para o cinema da autobiografia que Ebert lançou em 2011. Só que foi além
Quem frequenta festivais de cinema, não importa o gênero, sabe que não existe melhor lugar para descobrir diretores e também assistir obras que, provavelmente, jamais irão integrar a programação de uma sala que visa apenas poltronas cheias. Um filme importante para cinéfilos e aspirantes a escritores passou longe das telas nacionais e agora chega a plataforma Netflix para saciar a sede de quem pode acompanhar, mesmo que por poucos anos, a trajetória de um dos mais importantes críticos de cinema do mundo. O documentário Life itself – A vida de Roger Ebert, realizado por Steve James, tinha como ideia inicial realizar uma versão para o cinema da autobiografia que Ebert lançou em 2011. Só que foi além.
Retomar a época de ouro nos jornais de Chicago, o prêmio Pulitzer e suas discussões acaloradas na TV com o também crítico Gene Siskel parecia uma tarefa fácil e até divertida. Mas a ilusão que o cinema nos vende em muitas situações não podia obscurecer o presente complicado no qual se encontrava um dos homens mais influentes da crítica mundial. Life itself – A vida de Roger Ebert, antes de ser sobre cinema, é sobre força. Não a física, mas a interna, aquela que nos tira da cama todos os dias e nos faz encarar outros rostos, sejam eles amigáveis ou não. Acometido de um câncer na tireoide, desde 2006 Ebert passou a ter dificuldades para falar e comer e seu cotidiano passou a ser resumido em idas e vindas para o hospital. O início das filmagens do documentário deu-se em 2013, meses antes da sua morte. Ebert não chegou a ver o filme, mas teve alguns dos seus últimos momentos registrados e exibidos nos cinemas, algo que ele teria, com certeza, aprovado.
Óbvio que o objetivo principal é tentar resumir as muitas aventuras de Ebert como repórter e crítico e até desvendar o brincalhão incurável, sempre com uma resposta ácida e inteligente na ponta da língua. Descobrimos um homem apaixonado pela esposa que o tirou da solteirice aos 50 anos e lhe deu uma nova forma de encarar a vida. Longe do álcool e cada vez mais inseparável do cinema, ele não parou de produzir nem mesmo quando a doença lhe impediu de falar. A tecnologia lhe deu um sintetizador de voz e um blog que ele manteve sempre atualizado com textos que iam além do cinema. Não se sabe se pela proximidade do fim ou apenas pela maturidade que a idade traz, Ebert passou a expor seus sentimentos em suas críticas como nunca havia feito. O que não mudou foi a sinceridade, que ele não abandonava nem quando o assunto eram seus amigos de cinema. Martin Scorsese revela que alguns comentários de Ebert sobre seus filmes lhe magoaram, mas a amizade se manteve. Civilidade, acima de tudo.
Life itself – A vida de Roger Ebert se encaminha para o fim de maneira dolorosa. Vemos nosso crítico favorito cansado das sessões de fisioterapia e incomodado com os procedimentos médicos. Porém, ainda esboça sorrisos diante dos netos e não perde a piada, mesmo que precise rabisca-la em um bloquinho. Há quem sinta falta de mais opiniões de Ebert sobre os muitos filmes que viu e resenhou, afinal, foi para isso que ele dedicou a maior parte de sua carreira. Mas é o lado humano de um senhor doente e esperançoso que acaba tomando conta do filme. E não é para provocar lágrimas gratuitas no público. Steve James e seu respeito fizeram a opção de mostrar aos fãs que a cinefilia pode ser uma das armas para não desistir da vida. E que por trás daquele crítico cheio de opiniões, em sua maioria polêmicas, havia mais questões do que as falhas no roteiro e as atuações medíocres. Havia Roger, hoje imortalizado em seus textos incríveis, assim como as estrelas de cinema, que nunca se apagam enquanto houver alguém ocupando uma poltrona na sala escura.
Sobre o Colunista:
Bianca Zasso
Bianca Zasso é jornalista e especialista em cinema formada pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA). Durante cinco anos foi figura ativa do projeto Cineclube Unifra. Com diversas publicações, participou da obra Uma história a cada filme (UFSM, vol. 4). Ama cinema desde que se entende por gente, mas foi a partir do final de 2008 que transformou essa paixão em tema de suas pesquisas. Na academia, seu foco é o cinema oriental, com ênfase na obra do cineasta Akira Kurosawa, e o cinema independente americano, analisando as questões fílmicas e antropológicas que envolveram a parceria entre o diretor John Cassavetes e sua esposa, a atriz Gena Rowlands. Como crítica de cinema seu trabalho se expande sobre boa parte da Sétima Arte.