RESENHA CRTICA: Pegando Fogo (Burnt)
Aproveitando um roteiro esperto e cheio de referncias pop divertidas, Wells soube fazer um filme chique, com visual britnico


Pegando Fogo (Burnt)
EUA, 15. 101 min. Direção de John Wells. Roteiro de Steven Knight baseado em história de Michael Kalenisko. Com Bradley Cooper, Daniel Bruhl, Sienna Miller, Ricardo Scamarccio, Omar Sy, Sam Keeley (No Coração do Mar), Emma Thompson, Matthew Rhys, Alicia Vikander, Uma Thurman, Lily James, Stephen Campbell Moore.
Difícil entender o público americano (e muito crítico também) que tornou este filme um fracasso precoce de bilheteria, talvez porque tenha havido naquela semana excesso de estreias de produções com pretensão ao Oscar e por sinal quase todas elas se deram mal. Para desprazer do produtor Weinstein que afirma que temos aqui a melhor interpretação da carreira Bradley Cooper. Concordo com ele. Embora esteja evoluindo há algum tempo, este é um show particular num papel onde deita e rola, passa do terno e romântico ao neurastênico e grosseiro.
Não acredito muito nesse clichê de programas de TV sobre culinária onde o Master Chef xinga e desmoraliza os aprendizes ou funcionários. Vá fazer isso aqui no Brasil num restaurante repleto de nordestinos que irás levar uma facada/peixeirada na testa e com toda razão, já que ninguém pode ofender o outro ainda mais em lugar de trabalho. Mas hoje isso já faz parte do folclore do gênero, que se tornaram rotina os filmes sobre culinária ou comida. Embora muitos deles tenham sido irregulares (e outros principalmente franceses não pegaram aqui, infelizmente) eles acabam por ter vida longa e eu mesmo já escrevi dois livros a respeito da culinária no cinema.
Mas ainda assim admirei a realização deste Pegando Fogo, um bonito trabalho do diretor John Wells (americano, mais famoso por suas séries como produtor, com Mildred Pierce, The West Wing, Mrs Harris, e como roteirista em ER, China Beach. Para a tela grande, dirigiu Álbum de Família (August: Osage County, 13 com Meryl Streep), A Grande Virada (The Company Men, 10). Aproveitando um roteiro esperto e cheio de referências pop divertidas, Wells soube fazer um filme chique, com visual britânico (tem até Ponte de Waterloo convidando ao suicídio!) em que a presença de Bradley faz a diferença. Ele interpreta Adam Jones, que outrora foi um chef famoso e celebrado que conseguiu ter duas estrelas no celebre guia de culinária do Michelin. E agora sonha com o inatingível três! Mas entrou numa pior. Não se derrama muito em detalhes mas sabe-se que teve um romance conturbado com uma garota rica - a charmosa Alice Vikander - em que ambos mergulharam nas drogas e agora ele está sendo procurado pelos traficantes parisienses que prometem matá-lo se a dívida não for paga. Outros problemas ele superou: conseguiu reencontrar o dono de hotel e restaurante que foi muito seu amigo e sendo gay continua apaixonado por Adam (Bruhl faz o papel com total discrição a ponto de sumir dentre muitos coadjuvantes). Assim Adam usando seu talento e intuição começa a procurar antigos parceiros de cozinha e também uma moça que é a promissora Helena (a melhor coisa que Sienna Miller já fez na vida, ainda que menos bela do que antes).
Basicamente o filme é sobre Adam lidando com seus demônios pessoais, que não são poucos (mas o roteiro nunca explica demais, deixa a ação revelar as coisas e outras como apenas suspeitas). O fato é que eu gostei muito do elenco de apoio, que tem uma participação pequena de Uma Thurman (madura mas eficiente), da grande Emma Thompson (um encanto como a psicóloga que o ajuda), do excelente Frances Omar Sy de Intocáveis (que tem para si um momento chave), do galã italiano Ricardo Scarmacio e ainda o galês Matthew Rhys (como o amigo/inimigo rival).
Além disso, os inúmeros closes de comida, ainda no estilo Nouvelle Cuisine, não deixam de revelar também técnicas inovadoras e pouco conhecidas aqui que irão chamar a atenção dos profissionais do ramo. Louve-se a fotografia, a trilha musical adequada, mas é a interpretação temperada de Bradley que sustenta o filme e mantém a atenção. E olhe que não é nada fácil segurar um personagem que é por definição antipático, pretensioso, dado a ataques de violência e que não tem o menor respeito nem pelos amigos ou amantes. Mesmo o seu Sam Jones é uma figura que tem tudo para se tornar um clássico do gênero.


Sobre o Colunista:
Rubens Ewald Filho
Rubens Ewald Filho jornalista formado pela Universidade Catlica de Santos (UniSantos), alm de ser o mais conhecido e um dos mais respeitados crticos de cinema brasileiro. Trabalhou nos maiores veculos comunicao do pas, entre eles Rede Globo, SBT, Rede Record, TV Cultura, revista Veja e Folha de So Paulo, alm de HBO, Telecine e TNT, onde comenta as entregas do Oscar (que comenta desde a dcada de 1980). Seus guias impressos anuais so tidos como a melhor referncia em lngua portuguesa sobre a stima arte. Rubens j assistiu a mais de 30 mil filmes entre longas e curta-metragens e sempre requisitado para falar dos indicados na poca da premiao do Oscar. Ele conta ser um dos maiores fs da atriz Debbie Reynolds, tendo uma coleo particular dos filmes em que ela participou. Fez participaes em filmes brasileiros como ator e escreveu diversos roteiros para minissries, incluindo as duas adaptaes de ramos Seis de Maria Jos Dupr. Ainda criana, comeou a escrever em um caderno os filmes que via. Ali, colocava, alm do ttulo, nomes dos atores, diretor, diretor de fotografia, roteirista e outras informaes. Rubens considera seu trabalho mais importante o Dicionrio de Cineastas, editado pela primeira vez em 1977 e agora revisado e atualizado, continuando a ser o nico de seu gnero no Brasil.

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