Sofisticaes e Superficialidades em De Palma
Passion (2012), o mais recente De Palma e que topa as dificuldades habituais de seu cinema hoje em dia de arrombar as portas do mercado distribuidor
O norte-americano Brian De Palma já foi um dos queridinhos dos meios cinematográficos. Especialmente quando relia o universo estético do inglês Alfred Hitchcock segundo os postulados do cinema comercial americano dos anos 80. Depois foi caindo em desgraça junto à indústria. Na mesma medida em que certas sofisticações de filmar de que ele se vale passaram a exigir um pouco mais do público a que se destina: ou é somente o público - e dentro dele o cinema que o habita - que mudou?
Passion (2012), o mais recente De Palma e que topa as dificuldades habituais de seu cinema hoje em dia de arrombar as portas do mercado distribuidor, é um ponto de inflexão das vozes que podem posicionar-se para discutir os rumos da filmografia do cineasta ao longo dos anos. Rodado com capitais franceses e germânicos, Passion adota como ponto de partida um filme francês feito dois anos antes, Crime de amor (2010), por sinal o último realizado pelo diretor francês Alain Corneau, que faleceria em 2010, o mesmo ano do lançamento de seu derradeiro trabalho. Quem conhece o cinema de Corneau, sabe que ele, como De Palma, tem o condão de entregar-se a sofisticações visuais para seduzir o observador. Mas onde Corneau é um estilista francês cerebral, contido, De Palma solta-se em delírios americanos e algumas malícias de comportamento dos atores que vêm da Hollywood clássica via Hitchcock, que é o padrão endeusado por De Palma (e quem não?). Pondo com alguma ingenuidade crítica, pode dizer-se que De Palma recheia o sofisticado com boas doses de superficialidade americana, desde um erotismo belo e banal até uma trama policial vulgar e no entanto engenhosa às vezes. Mas nada disto retira a extrema originalidade estética e mesmo moral da concepção realizada de Passion.
Como diretor de atrizes, De Palma sabe, por exemplo, extrair de uma intérprete como Rachel McAdams curvas sinuosas de ação cênica. Se houve um caminhar à Antonioni de mulheres nos anos 50 e 60, o andar de Rachel em Passion parece ser exclusivo no universo cada vez mais particular de De Palma. Penso que o realizador, na maturidade, pode estar atingindo os efeitos que quis e não logrou em outros tempos. Ou é este comentarista que teria amadurecido suficientemente para, finalmente, amar o cinema de De Palma?
P.S.: O texto acima é produto duma reflexão de anos trás quando deparei nos caminhos da internet este belo filme do cineasta americano. De Palma, que nos anos 80 foi bafejado por via de regra pelo sucesso comercial, não o foi em seus mais recentes filmes. Os dois últimos, a obra-prima Redacted (2007), e este Passion não chegaram aos cinemas brasileiros. Chegou-se a lançar por aqui o documentário De Palma (2015), de Noah Baumbach e Jake Paltrow, em que o realizador, com uma lucidez impressionante, se auto-analisa o tempo inteiro diante das câmaras, permitindo ao espectador uma viagem com De Palma pelo cinema que ele próprio realizou desde as primeiras produções independentes, suas incursões de esteta do cinema, suas curvas mais comerciais, até esta incompreensão final. Brian de Palma é, de qualquer ângulo que o analisemos, um autêntico homem de cinema: como já não se faz.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro Uma vida nos cinemas, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a dcada de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicaes de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br