A Vida Palaciana Segundo Rossellini

Em A tomada do poder por Luís XIV o espectador é convidado a entrar, sorrateiramente e com simplicidade de olhar, no universo da corte francesa

29/04/2014 17:13 Por Eron Fagundes
A Vida Palaciana Segundo Rossellini

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O italiano Roberto Rossellini criou a linguagem cinematográfica do neorrealismo com a cara dos camponeses do interior da Itália. Era inevitavelmente um homem burguês filmando pessoas diferentes de si; ao contrário de um de seus discípulos, o também italiano Michelangelo Antonioni, que filmava seus pares da burguesia. Como filmar o outro, eis a questão de Rossellini. Quando a estrela sueca-hollywodiana Ingrid Bergman surgiu nos braços de Roberto, os camponeses ainda faziam das suas diante da câmara do cineasta, e dos conflitos de interpretação entre Ingrid e os amadores  assomaram as primeiras transformações do cinema de Rossellini, indo dar no cinema metafísico dos anos 50. Esgotada a metafísica, resolvidos alguns saldos do neorrealismo, Rossellini pulou fora de tudo e passou a filmar para a televisão como quem está desiludido de dizer alguma coisa. Mas acabou dizendo coisas fundamentais para os ouvidos e os olhos cinematográficos.

A tomada do poder por Luís XIV (La prise du pouvoir par Louis XIV; 1966) é uma narrativa histórica ambientada na França do século XVII e por isso mesmo, dentro do eterno realismo que caracteriza Rossellini, rodada em francês. É um dos primeiros filmes voltados para homens célebres feitos por Rossellini, o homem que em seus passos fílmicos iniciais atentou no homem italiano comum, como os soldados anônimos da guerra e a mãe anônima anonimamente assassinada numa rua romana da guerra. Depois Rossellini investiria em retratos cinematográficos de filósofos, como os franceses Blaise Pascal e René Descartes e o grego Sócrates, finalizando tudo com um homem que é muitas coisas, inclusive um homem comum (filho de carpinteiro) e um filósofo (o cristianismo como sistema o prova), Jesus Cristo.

Em A tomada do poder por Luís XIV o espectador é convidado a entrar, sorrateiramente e com simplicidade de olhar, no universo da corte francesa quando o vem Luis XIV, diante da agonia e da morte do cardeal Mazarin, o todo-poderoso da França na época, acaba tomando o poder, ignorando as estocadas autoritárias de sua mãe, a rainha Ana de Áustria. Talvez o ponto alto do poder descritivo irônico de Rossellini neste filme esteja na festa de inauguração da construção final do Palácio de Versalhes, onde tudo e todos convergem para o exercício do poder do rei, que é primeiro paramentado quixotesca e circensemente e alimentado fartamente nos interiores do castelo real para depois da comemoração empanturrada e vestida ser visto num plano diante dos belos jardins que mandou espalhar em torno de sua edificação histórica. Rossellini é particularmente feliz em fazer a exposição duma associação então incipiente, entre a realeza e os financistas, criando o poder real-burguês que depois se tornaria somente burguês.

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro “Uma vida nos cinemas”, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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