O Fim de Sartre Segundo Beauvoir

A Cerimônia do Adeus (La cérémonie des adieux; 1981) é um relato estupendo e cru que descreve a vida de Simone de Beauvoir com Sartre

06/04/2017 23:56 Por Eron Duarte Fagundes
O Fim de Sartre Segundo Beauvoir

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Para nós, seus leitores, era o casamento de dois cérebros privilegiados do século XX. Os franceses Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir agitaram as discussões intelectuais de boa parte do século passado. Mas sua importância, para a sociedade, ultrapassou a literatura e a filosofia, atingindo pessoas que nunca os leram ou só os leram esporádica e superficialmente, até com um certo desdém pelas coisas que eles diziam. Eles viveram um relacionamento de homem-mulher amplamente libertário: ateus e sem formar uma família tradicional, em Monsieur Sartre e Madame de Beauvoir o amor livre dos anos 60 teve uma de suas faces.

Quando Sartre morreu, em 1980, Simone sentiu muito. Uma parte fundamental dela foi embora com seu companheiro. Ela tinha um diário. Com base neste diário, ela escreveu A cerimônia do adeus (La cérémonie des adieux; 1981), um relato estupendo e cru que descreve sua vida com Sartre nos dez anos que antecederam a morte do pensador francês. Dez anos antes de morrer, Sartre teria começado a sentir os primeiros sintomas do fim: as doenças mais agudas começavam. Simone descreve: “Ele sorriu, de maneira indefinível, e disse: ‘Agora, é a cerimônia do adeus!’ Toquei-lhe o ombro, sem responder. O sorriso, a frase me perseguiram durante muito tempo. Atribuía à palavra ‘adeus’ o sentido supremo que ela teve alguns anos depois: mas na época eu era a única a pronunciá-la.” Em A cerimônia do adeus, de maneira impiedosa e descarnada, mas com o carinho que a personagem de Sartre lhe merecia, Simone põe nas páginas toda proximidade da decadência física e moral dum dos grandes homens de seu tempo; na época, o livro de Simone chocou os sartreanos, mas hoje seu texto aparece com uma autenticidade e uma veracidade que encantam.

Como todo gênio que cedo ou tarde se converte também numa estrela do espetáculo cultural, Sartre acabou bombardeado por adversários, que se debruçaram sobre as contradições do homem. Mas as entrevistas (conversas) de Simone com Sartre, apostas ao cabo de A cerimônia do adeus, esclarecem que Sartre sempre foi muito consciente de seus papéis e limites. Estas entrevistas de encerramento do trabalho de Simnone, que na verdade são conversas ou trocas de palavras entre dois mestres do pensamento no século XX, coroam ferreamente o tipo de casamento —estético e intelectual– entre os dois seres. Sartre faleceu em 1980. Ela iria embora em 1986. Diante da morte de Sartre, a conclusão de Simone não poderia ser mais engenhosa: “Sua morte nos separa. Minha morte não nos reunirá. Assim é: já é belo que nossas vidas tenham podido harmonizar-se por tanto tempo.”

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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