As Estranhas Misturas de Schrader
Melhor escritor cinematográfico do que cineasta, o norte-americano Paul Schrader faz, em Cães Selvagens (Dog eat dog; 2016), um pastiche disforme
Melhor escritor cinematográfico do que cineasta, o norte-americano Paul Schrader faz, em Cães selvagens (Dog eat dog; 2016), um pastiche disforme do estilo de filmar do igualmente norte-americano Quentin Tarantino, em que o escracho da violência e a vulgaridade das personagens e dos diálogos perfazem o nervo central da linguagem cinematográfica. Falta, porém, a Schrader em sua investida contra Tarantino o sarcasmo cortante do modelo e esta ironia sobranceira que está em tudo o que Tarantino toca e que o diferencia, por exemplo, dos desacertos de seu irmão-de-universo, Robert Rodriguez.
Schrader é um escritor cinematográfico. No sentido de crítico, ensaísta. E também como sinônimo de roteirista. Nos anos 70 do século passado ele escreveu um luminoso ensaio sobre uma certa trindade do cinema da alma, o japonês Yasujiro Ozu, o francês Robert Bresson e o dinamarquês Carl Theodor Dreyer. Foi nesta mesma década de 70 que ele fez o roteiro de Motorista de táxi (1976), um dos mais belos filmes de Martin Scorsese. O paradoxo: o roteiro de Cães selvagens, partindo dum romance de Edward Bunker, Schrader o entrega a Matthew Wilder; andará nosso autor cansado das palavras? Embora a armação do roteiro se disperse como se as cenas fossem uma a uma notas de pé de página, não creio que esteja aí o problema central do novo Schrader: eu apostaria muito mais numa certa insinceridade ou ausência de autenticidade da direção de Schrader, que filma violência e lampejos morais sem a sedução com que ele revelou alguns abismos de comportamento em A ressurreição de Adam (2008), sua obra-prima, e O acompanhante (2007). Se não deu certo a sutileza (seus dois trabalhos não chegaram a estourar nos cinemas), ele agora aposta na grossura, que é o que está na moda; mas mesmo aí é preciso algumas gingas cinematográficas para conquistar a plateia-alvo, e Schrader parece no caso desprovido destas gingas.
O trio de atores centrais (Nicolas Cage, Willem Dafoe, Christopher Matthew Cook) se afigura caricaturalmente desgastado; nenhum chega a transcender de seus estereótipos sem sentido. Buscando no fim propor um olhar moral (um retorno a suas origens de artista) sobre o comportamento desenfreado e exagerado dos ex-presidiários, Paul Schrader não logra salvar Cães selvagens do desastre narrativo. Cuido que suas misturas (a seiva espiritual de enleio com os embates físicos mais torpes), longe de amenizarem a catástrofe estética, a aprofundam.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro Uma vida nos cinemas, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br