O Mais Desassombrado dos Ficcionistas de Hoje
A insônia do verbo em Lobo Antunes é mesmo um arquipélago
Aquilo que se dizia da brasileira Clarice Lispector em tempos idos vale hoje em dia para o português António Lobo Antunes: ninguém escreve como este ficcionista lusitano; a voracidade do texto cujo fluxo impetuoso segue como uma torrente mas às vezes apresenta provocativas interrupções sintáticas. O arquipélago da insónia (2010) se insere dentro do atual quadro da literatura de Lobo Antunes, onde as aventuras formais radicais se tornam cada vez mais exigentes, feitas para um leitor que gosta da invenção de escrever.
As vozes narrativas se superpõem, a complexidade do entredevoramento das vozes podem causar perplexidade e um forçado distanciamento de leitura, mas o ritmo voluptuoso das orações invade os nervos literários de quem lê. “De pouco me recordo antes da herdade e da casa, lembro-me de um homem deitado quase às escuras porque um dente de metal brilhava a dizer a outros homens difíceis de distinguir no quarto, fazendo parte do reboco talvez”. O que propõe Lobo Antunes, mais uma vez, é um conhecimento do inferno, um fado alexandrino, os cavalos que fazem sombra no mar, a noite escura para a qual não nos exige pressa de entrar, a pedra de vocábulos que havemos de amar a despeito de tudo. “Daqui a nada é manhã/ e não será manhã nunca.” A insônia do verbo em Lobo Antunes é mesmo um arquipélago: são vários sonhos que formam este arquipélago.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br