Os Golpes Narrativos de Dourado

Ao rejeitar sua comparação com João Guimarães Rosa, o escritor mineiro Autran Dourado diz que não inventa palavras

16/04/2019 00:57 Por Eron Duarte Fagundes
Os Golpes Narrativos de Dourado

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Ao rejeitar sua comparação com João Guimarães Rosa, o escritor mineiro Autran Dourado diz que não inventa palavras. Se invenção há em seu texto, é de natureza sintática. O romance O risco do bordado (1970) é uma amostra exemplar de como seu texto flutua único na sintaxe da língua portuguesa. Como raramente se vê entre nós (penso especialmente em certos ficcionistas nordestinos da década de 30 do século XX, talvez a exceção seja o alagoano Graciliano Ramos), a linguagem de Dourado namora as sintaxes populares sem perder a elegância, o refinamento e a profundidade; tudo aquilo que o modernismo de 1922 quis fazer, com Mário de Andrade à frente, dando num maneirismo histórico cuja leitura hoje dá um tom datado e histórico a esta prosa, Dourado elabora e avança em suas formulações estilísticas.

Não creio que Rosa tenha sido só um inventor de palavras: foi um deformador da sintaxe, um revolucionário. O ensaísta Dourado diminui o alcance verdadeiro do verbo para Rosa para rebater a crítica de influência que lhe atribuíam em determinada época. A diferença verdadeira entre Rosa e Dourado é da radicalização da estrutura: enquanto Dourado vai aclarando as linhas barrocas de seu texto, Rosa mergulha sem pudores no críptico de suas invenções; simplificando, Dourado e qualquer outro escritor inventam menos que Rosa, que, cuido eu, não reinventou a língua mas sua sintaxe: como Dourado e, outra associação impossível, o português Camilo Castelo Branco.

Mas o barroquismo de Dourado não se liga muito ao barroco arcaico de Rosa, a concepção de romance de Dourado é mais ligada ao coloquial, que não se vulgariza ao contrário se refina a cada vírgula. O barroquismo de Dourado antecipa um pouco aquilo que hoje em dia faz o ficcionista lusitano António Lobo Antunes: é a multiplicidade de vozes narrativas, encadeadas com naturalidade e grandeza, é que dá a O risco do bordado sua eternidade estética.

Como se fosse um livro de contos (e Vidas secas, 1938, de Graciliano Ramos, também obedece a este formato), o romance tem sete capítulos que tanto são histórias independentes quanto peças de um todo que se revela em cada parte. Um sistema narrativo inovador e potente, um mergulho poético-romanesco numa Minas Gerais mítica que está no sangue de infância do escritor.

Ao rejeitar uma equivalência de seu jeito de escrever ao de João Guimarães Rosa, revelação inicialmente exposta pelo crítico Fausto Cunha, Autran Dourado dá uma das chaves de sua construção em O risco do bordado: o profundo da linguagem é que lhe interessa e não suas vestes de festa. Mesmo dentro de seu barroquismo intenso, há em Dourado uma austeridade que dispensa a orgia de palavras de Rosa.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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