O Ultimo Quadro da Trilogia do Luto

Cristiano Burlan faz um cinema essencial do atual cinema brasileiro. Ainda que sua forma muito particular de filmar a vida que o cerca, nao tenha as facilidades de impor-se ao grande publico

21/07/2019 13:45 Por Eron Duarte Fagundes
O Ultimo Quadro da Trilogia do Luto

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Cristiano Burlan faz um cinema essencial do atual cinema brasileiro. Ainda que sua forma muito particular de filmar a vida que o cerca, não tenha as facilidades de impor-se ao grande público. Naturalmente, a plateia de Burlan é mais reflexiva e rarefeita; para bem da criatividade cinematográfica, é bom que ela não desapareça, embora muitas vezes se tenha a impressão, melancolicamente, de que possa estar próxima disto; estaria no fim a cinefilia, como lamentou o crítico gaúcho Tuio Becker em meados dos anos 90, ou estamos diante da desimportância do cinema ou de certos filmes, como enviesadamente analisava o belga-paulista Jean-Claude Bernardet em anos mais recentes? À parte esta melancolia devastadora, é de saudar, por ora, Elegia de um crime (2019), o filme que encerrou a trilogia do luto proposta por Burlan. Este comentarista não viu Construção (2006), que tratava das obscuridades da morte do pai do cineasta; viu Mataram meu irmão (2013), uma bela aventura de imagens pelas evocações da morte do irmão do realizador, na sempre perigosa periferia paulistana.

Elegia de um crime envereda pela terceira morte que assombra Burlan, sua mãe, que estava havia anos separada do pai do diretor, vivia em Uberlândia, Minas Gerais, e foi assassinada pelo companheiro, alguém que teria cometido outros feminicídios. O filme começa com o próprio diretor ao telefone, dialogando com um agente policial e tentando passar a informação de que sabe do paradeiro do criminoso; as tergiversações burocráticas das investigações criminais são bem expostas nos pequenos trechos de conversa captados nos planos fixos da câmara de Burlan. Isto faz lembrar o início de Mataram meu irmão, onde, sobre um plano escuro, sem imagens, ouvimos a voz de Burlan trocando frases com um agente funerário para trasladar as cinzas mortais de seu irmão assassinado. Nos dois casos, o do irmão e agora o da mãe, um artista como Burlan escarnece, no silêncio de sua arte, das travas da burocracia.

Elegia de um crime evoca a mãe e põe o encontro de Burlan com seus irmãos, um deles vivendo no sul, uma irmã em Uberlândia (onde a mãe foi morta). Há também trechos do encontro de Burlan com a jornalista que deu, à maneira sensacionalista provinciana, a notícia do assassinato da mãe de Burlan, pela televisão. A câmara instável e trêmula e um certo namoro com o melodramático tratado de maneira austeramente bressoniana são marcas fortes de Elegia de um crime. No fim de sua narrativa documental Burlan está diante do túmulo de sua mãe. Algumas sequências antes o espectador o viu treinando tiro ao alvo; como ele estivesse buscando o matador de sua mãe, havia um clima de rumo à vingança, um crime de paixão em nome materno à vista. Nada disto pertence ao cinema de Burlan; ou se ali fosse injetado, seria diferente. Na imagem diante da sepultura da mãe, Burlan medita que se seu irmão e seu pai falecidos estivessem vivos, teriam vingado a morte da mãe. No caso dele, Burlan, não conseguia senão fazer filmes: era seu ato criminoso, reflexiona o cineasta. E é um pouco isto: diante da miséria do mundo, o artista (sua existência) é um criminoso. Porque ele não salva ninguém: é um impotente, um homem sem importância.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro “Uma vida nos cinemas”, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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