Minha Primeira Vez no Cinema
Rubens Ewald Filho relembra o primeiro filme que assistiu no Cinema
Foto: salasdecinemadesp2.blogspot.com
Bem que eu gostaria de ter começado com o Cidadão Kane, ou Casablanca, ou qualquer outro clássico do cinema. Mas certamente não iria entender nada. Ou então, um musical, gênero que tanto me influenciou. E mesmo uma chanchada da Atlântida qualquer com Eliana e Grande Otelo! Mas não tive essa sorte. Os Deuses não pressentiram que um dia eu viria a ser um polêmico e sincero crítico de cinema: Não seja pretensioso garoto, todo mundo começa por baixo. E seja humilde, aproveite o que vida lhe oferece. Foi assim que, em algum momento da minha infância, meus pais me levaram para assistir um filme de Tarzan, numa sessão Matinée Baby, que acontecia no domingo de manhã no Cine Atlântico na praça Independência, no coração de Santos. Devia ter por volta de quatro anos, ou seja, nada muito precoce.
Não me lembro do filme, mas ao menos da sala nunca esqueci. Era bem antiga, acho que ainda dos anos trinta, e acabou sendo derrubada para construírem no lugar um pequeno prédio de escritórios. A entrada era redonda com duas bilheterias, e uma enorme porta de vidro que escondia a bilheteria, terrível para verificar não tanto ingressos, mas carteirinhas de escola fraudadas (para ver filmes proibidos até 14 anos). Na entrada a sala de espera tinha uma bomboniére, um grande espelho e cartazes dos próximos filmes (porque eles estreavam dois por semana, o mais fraco de segunda a quarta), o mais popular de quinta em diante.
Além da plateia que ficava no salão debaixo tinha uma espécie de Pullman, ou seja, um camarote na parte de cima (se tinha melhor visão ou não, é caso a discutir!). O interesse da sala é que tinha uma cortina vermelha que se abria suntuosamente (até hoje não me conformo dos cinemas atuais não terem cortina! É uma falha muito grande que perderam para o teatro que ainda continua a se aproveitar desse notável recurso!). E também uma iluminação especial na sala. Primeira soava o gongo, aos poucos as luzes se modificavam num belo efeito e não tinha trilha musical. Começa logo com os documentários do governo ou de futebol. Quase esquecia que nos dois lados da tela, tinha desenhos em relevo de casas e praias. Mas era o gongo que me impressionava, tinha um tom de religiosidade, para mim era a minha Igreja, minha fé.
Quanto ao primeiro filme muitos anos depois eu o consegui em VHS. Tarzan e as Sereias era curiosamente o último filme do Tarzan Johnny Weissmuller no personagem (logo depois no mesmo ano seria rebaixado para ser o Jim das Selvas!). De qualquer forma era apropriado que ele fosse o maior nadador do cinema, logo eu que iria seguir sua vocação!
Tarzan e as Sereias **
Edgar Rice Burroughs´s Tarzan and the Mermaids.
68 min. Preto e branco. 1948. EUA.
Diretor: Robert Florey . Elenco: Johnny Weissmuller, Brenda Joyce, Linda Christian, Gustavo Rojo.
Sinopse: Boy está fora estudando e Tarzan interfere numa tribo que está pedindo para sacrificar uma jovem para o deus Balu. Mas ele é uma fraude comandada por um vigarista que deseja pérolas.
Comentários: Este foi o último filme de Tarzan de Weissmuller (1904-84) e também do produtor Sol Lesser que baixou bastante o nível dos feitos antes na MGM. Logo depois Johnny iria estrelar a série B “Jim das Selvas”. Mas aqui temos uma razoável ainda que ingênua produção (a foto é do mestre mexicano Gabriel Figueiroa então no auge da carreira) e a mocinha é a bela Linda Christian (1923-11) que se tornou então mulher do galã mais popular da época Tyrone Power). Mas a história é pueril, falta ação e o herói Tarzan está visivelmente cansado e envelhecido. Não foi uma maneira memorável de começar uma carreira de cine maníaco! Mas teve outro fator importante, o astro Weissmuller era lendário campeão de natação e pode ter influenciado o fato de ter seguido esse caminho. Mas acredito que a Esther Williams tenha influenciado mais que ele! Curiosamente anos mais tarde eu iria encontrar Linda Christian, esperando condução para sair de uma festa do Festival de Cannes. Estava com minha amiga Any Bourrier e puxamos conversa. Linda ainda era uma bela mulher e muito sofisticada se queixava: “Mudou muito, dizia ela, Cannes não tem mais charme, elegância, ficou tudo muito vulgar”. Não conseguia deixar de pensar nela que foi namorada do milionário brasileiro Baby Pignatari e chegou a ir para o Rio procurá-lo. Mas ele e seu famoso Clube de Cafajestes, organizou uma passeata de carro com cartaz dizendo “Go Home Linda”! Coitada. Nascida no México em 1923, seu pai era um executivo de petróleo (com quem ela viajou o mundo todo) e foi casada também com o ator Edmund Purdom. Mãe das estrelinhas Romina Power e Taryn Power. Morreu em 2011. Seu apelido: a bomba anatômica!
Foto: salasdecinemadesp2.blogspot.com
Sobre o Colunista:
Rubens Ewald Filho
Rubens Ewald Filho é jornalista formado pela Universidade Católica de Santos (UniSantos), além de ser o mais conhecido e um dos mais respeitados críticos de cinema brasileiro. Trabalhou nos maiores veículos comunicação do país, entre eles Rede Globo, SBT, Rede Record, TV Cultura, revista Veja e Folha de São Paulo, além de HBO, Telecine e TNT, onde comenta as entregas do Oscar (que comenta desde a década de 1980). Seus guias impressos anuais são tidos como a melhor referência em língua portuguesa sobre a sétima arte. Rubens já assistiu a mais de 30 mil filmes entre longas e curta-metragens e é sempre requisitado para falar dos indicados na época da premiação do Oscar. Ele conta ser um dos maiores fãs da atriz Debbie Reynolds, tendo uma coleção particular dos filmes em que ela participou. Fez participações em filmes brasileiros como ator e escreveu diversos roteiros para minisséries, incluindo as duas adaptações de Éramos Seis de Maria José Dupré. Ainda criança, começou a escrever em um caderno os filmes que via. Ali, colocava, além do título, nomes dos atores, diretor, diretor de fotografia, roteirista e outras informações. Rubens considera seu trabalho mais importante o Dicionário de Cineastas, editado pela primeira vez em 1977 e agora revisado e atualizado, continuando a ser o único de seu gênero no Brasil.