A Linguagem de Darcy Ribeiro

O universo mitico e real dos ?ndios mairuns eh o que informa a propria estrutura narrativa de Ma?ra

06/01/2021 14:10 Por Eron Duarte Fagundes
A Linguagem de Darcy Ribeiro

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Maíra (1976), um dos romances escritos pelo antropólogo Darcy Ribeiro, apareceu ao mesmo tempo em que outro romance amazônico foi lançado, Galvez, o imperador do Acre (1976), do ficcionista amazonense Márcio Souza. A Amazônia de que falam é, no entanto, diferente; os elementos humanos dos dois livros divergem, o que conduz a uma linguagem e mesmo, paradoxalmente, a cenários que, tendo idêntica genética da realidade, se distanciam bastante. O amazonense de Márcio é caboclo, sim, mas já tem um pé no urbano: há algo de crônica fragmentada em seu romance. O amazonense de Darcy é mais da mata mesmo, está no interior da intrincada selva, busca o índio original: Darcy, estudioso dos povos indígenas, que viveu entre os índios, traz muito de sua experiência para o que vai contar em Maíra, ou se diria que o resto é invenção. Poucos anos antes, o cineasta Gustavo Dahl fez um filme inspirado num ensaio de Darcy, Uirá, o índio em busca de Deus (1974). Por aquela época outro realizador brasileiro, Jorge Bodanzky, rodou um filme que perturbou a visão indígena brasileira: Iracema, uma transa amazônica (1974). Maíra insere-se ao mesmo tempo que se particulariza dentro deste contexto de tempo: traz suas próprias formas, a linguagem especificamente literária de Darcy e sua visão de mundo de antropólogo que esteve lá, no seio do objeto narrado.

O universo mítico e real dos índios mairuns é o que informa a própria estrutura narrativa de Maíra. O romance tem suas virtudes e seus tropeços no mesmo tópico: as dificuldades do leitor em descortinar este universo, em conceitos e linguagem, são a própria essência particular da construção romanesca de Darcy. Que, como ficcionista, se põe um pouco entre João Ubaldo Ribeiro e Guimarães Rosa. A prosa transcende, enleva: nem sempre chega lá; mas é bonita e acariciante de acompanhar. As relações entre o mestiço Isaías e a branca que morre de parto na mata, Alma, tentam escarafunchar no Brasil originário; antes, José de Alencar e Mário de Andrade tentaram falar deste índio remoto, sem grande conhecimento de causa, apenas com uma poesia quase (ou necessariamente) de gabinete; a Iracema, uma índia alencariana, também morre na mata ao dar à luz a Moacir, o filho do sofrimento, mas é uma morte retórica, longe das penumbras que atravessam a morte policialesca de Alma em Maíra.

Carlos Drummond de Andrade chamou Darcy de “caudal da vida”. E Maíra tem seu melhor nisto: o texto caudaloso que deságua no múltiplo monólogo final: a língua caudalosa à brasileira.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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