As Inquietacoes de Veronica

Ao traduzir da vida para a literatura, Veronica logra manter boa parte do que imaginara

25/09/2021 02:44 Por Eron Duarte Fagundes
As Inquietacoes de Veronica

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Veronica Stigger, em sua novela Opisante swiata (2013), traduz, narrativamente, uma inquietação estética sofisticada, buscada com rigor em sua estrutura de composição. Partindo de cartas trocadas entre um rapaz com uma doença grave, hospitalizado, e um distante pai polonês (a etnia polaca, abstrata e misteriosa, determina aqui algo do próprio processo literário), tendo antes uma missiva introdutória do médico-operador do homem doente que pede por seu pai, o livro de V. Stigger acompanha a nebulosa e fragmentada viagem de Opalka, o pai, até o hospital em que está Nathanael, o filho, utilizando excertos de situações, imagens, palavras que trazem uma personagem secundária cuja presença e nome evoca espécie de holofote para todo o livro, é Raul Bopp, que Opalka topa em seu périplo paterno-filial e às vezes se sai com dizeres que talvez aludam a seu homônimo, criatura real, o poeta modernista brasileiro Raul Bopp.

No enterro, diante do cadáver de Nathanael, Bopp se dirige a Opalka. “Toma —disse, estendendo-lhe um caderninho preto. —É um presente. Serve para fazer anotações. Para que o senhor escreva o que passou. Ajuda a superar. E a não esquecer. A gente escreve para não esquecer. Ou para fingir que não esqueceu.” Veronica, com sua novela, parece um pouco estabelecer uma alegoria de seu ser como escritora. Em seu livro a autora quer aproximar dois seres próximos pelo sangue e distantes pela alma e pelas vivências. Lá na entrada da narrativa, após a introdução, anota-se: “Para Ivo, meu pai.” Ivo é Ivo Egon Stigger, um crítico de cinema que publicou textos sobre filmes nos anos 70 e 80 e dirigiu muitos debates no Festival e Cinema de Gramado. Ivo é o pai de Veronica; escrever os une, cada um em seu ramo e à sua maneira. No final da novela, uma frase: “Para Nathanael, meu filho.” As duas pontas do volume se encontram: aquela frase inicial, “para Ivo, meu pai”, já fez parte da narrativa, introduz a realidade na ficção que se vai construir. O que se converte em página escrita se muda em ficção: mesmo nascendo da realidade. Veronica articula estes conceitos, a duras penas monta seu texto: às vezes as frases se engessam, buscando a severidade formal. “Largou a pena, apoiou o queixo nas mãos e refletiu alguns instantes, sem tirar os olhos do papel. Num ímpeto, riscou o que escrevera e virou a folha do caderninho. No centro da página direita, anotou, traduzindo para o português o que tinha grafado pouco antes em polonês.” Ao traduzir da vida para a literatura, Veronica logra manter boa parte do que imaginara: ainda que aqui e ali haja rachaduras na construção estética e emocional de seu livro.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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