Quando Eles Eram Jovens
A primeira aco do livro Como a geraCAo sexo-drogas-e-rock?nroll salvou Hollywood se trata de um terremoto acontecido em Los Angeles a nove de fevereiro de 1971
A primeira ação do livro Como a geração sexo-drogas-e-rock’nroll salvou Hollywood (Easy riders, raging bulls: how the sex-drugs-and-rock’n’roll saved Hollywood; 1998) é um terremoto acontecido em Los Angeles a nove de fevereiro de 1971. Martin Scorsese estava lá. Outras pessoas de cinema de sua geração, então incipiente, estavam lá; sessenta e cinco pessoas morreram naquele acidente geológico, mas entre elas nenhuma das pessoas que interessaram à narrativa do livro escrito pelo americano Peter Biskind com uma paixão de contar que conduz o leitor pelas veredas da história que podem ser as veredas da própria memória do leitor se este viveu aqueles anos dentro de salas de cinema. O final do livro de Biskind se dá com a morte desconsolada do diretor Hal Ashby, um indivíduo que se teria perdido pelo descaso da indústria e pelas drogas que consumiu ao longo dos anos.
Entre um abalo sísmico e uma inevitável melancólica desilusão Biskind situa a trajetória de realizadores como Steven Spielberg, George Lucas, Martin Scorsese, Paul Schrader, Dennis Hopper. É preciso esquecer os aspectos de crítica de cinema do livro de Biskind: apesar de algumas anotações memoráveis, tudo é muito intuitivo e preciosamente intuitivo neste vasto romance de Hollywood, como se os escritores franceses Honoré de Balzac (o classicismo) e Marcel Proust ((o vaivém temporal) se juntassem para o escrever a quatro mãos; mesmo as posições críticas facilmente discutíveis e desmontáveis são peças emocionais compostas para captar o sentimento central do livro, a fuga de um tempo dourado que, como afirmou Spielberg, aboliu as restrições de idade e permitiu a uma juventude ingênua e privilegiada fazer algo novo, tornar Hollywood mais respirável. Talvez este sentimento não resista a uma análise histórica da evolução de Hollywood, mas é o que os anos 70 passaram aos que o viveram naquela mesma Los Angeles onde um terremoto apanhou os jovens pretendentes a cineasta como Scorsese desprevenidos e tocados pelo terror da morte.
Para enfeixar a irreverência destes imberbes diretores, havia uma crítica de cinema tão pirada quanto eles: Pauline Kael. Quando Schrader topou pela primeira vez com Kael, esta, referindo-se a uma comédia sem graça, chocou o jovem calvinista com uma frase desabusada e ainda mais na boca duma dama: “Os risos eram tão escassos quanto os pentelhos na boceta duma velha”. Biskind, falando da turma, que é a turma do autor, não poupa ninguém, está longe de fazer a hagiografia de quem quer que seja. Coppola aparece como o pretensioso arrogante cuja megalomania foi exacerbada em determinado momento pelos excessos de dinheiro. Kael, nas palavras de Coppola, que a detestava, era a própria sabichona. William Friedkin se julgava um gênio, um novo Orson Welles, embora ainda não tivesse feito um filme que justificasse esta prepotência. Segundo alguns colegas, Robert Altman era um esnobe, um pernóstico. A narrativa de Biskind revela que Spielberg detestava leituras, o que, para quem viu seus filmes, explica muita coisa. Lucas era, como Spielberg, um ser grudado na tela da televisão, o que explica uma outra parte do processo. Scorsese tinha medo de virar o “queridinho dos críticos” e ser desprezado pelo público, especialmente depois do fracasso comercial de sua obra-prima O touro indomável (1980) o que serve de iluminação para a sequência de sua carreira. E no livro Biskind observa como se deu a surpreendente carreira comercial de Motorista de táxi (1976), de Scorsese, e a rejeição do público a um queridinho da mídia como Nashville (1976), de Altman: estariam no filme de Scorsese os estertores dos interesses das plateias dos anos 70 enquanto o de Altman exibiria o desinteresse destas mesmas plateias por certos estertores que estavam na moda no início da década, especialmente a partir do filme premonitório Sem destino (1969), de Dennis Hoper? Não interessa se o leitor acompanha o liame de raciocínio do texto de Biskind e muito menos se as observações espetadas muitas vezes provocativamente por Biskind são partilhadas pelo leitor; o que vai interessar mesmo é que este sentimento paradoxal de êxtase e frustração duma geração de homens de cinema possa chegar ao público como ficção ensaística do mundo de Hollywood.
De tudo fica que a miscelânea de projetos e intenções que é fazer um filme em Hollywood pode às vezes render obras revolucionárias, moral e/ou esteticamente. Mas, como certa vez observou o cineasta inglês Alfred Hitchcock repreendendo uma das obsessões da atriz sueca Ingrid Bergman, vai-se saber quando!
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br