Um Romance de Imagens
Depois de Metropolis, especialmente depois do sucesso do filme, Von Harbou parece ter-se concentrado numa literatura cinematografica
Metrópolis (1925), o romance da escritora alemã Thea von Harbou, é um dos embriões do expressionismo germânico. A escola expressionista é muito ligada ao cinema, a arte por excelência do século XX, mas a literatura expressionista e seus signos também são relevantes, basta pensar no que há de expressionismo em Franz Kafka, um tcheco que escreveu em alemão. O grande romance da Von Harbou está cheio de imagens, mas, como expressão estética, ele vive, historicamente à sombra do filme que Fritz Lang lançaria dois anos depois. Injustamente: a narrativa literária de Metrópolis tem uma criatividade transbordante para impor-se como existência própria. É belo e magnífico: lança as bases duma certa imaginação expressionista teutônica.
Depois de Metrópolis, especialmente depois do sucesso do filme, Von Harbou parece ter-se concentrado numa literatura cinematográfica: escrever roteiros para seu marido, o cineasta Fritz Lang. As associações da Von Harbou com Hitler e o nazismo a amaldiçoaram aos olhos da posteridade. Mas a diretora e crítica brasileira Marina Person puxa uma questão: por que Leni Riefenstahl, nazista até a medula, é mais considerada hoje que Thea? E aduz: “A diferença talvez seja simplesmente o fato de Riefenstahl nunca ter estado à sombra de um homem.” Na sociedade patriarcal, o patrimônio cultural de Thea foi desconsiderado em função da genialidade de Lang. Assim também com seu romance Metrópolis: submergiu diante das loas ao filme dele extraído.
“Agora que o rugir do grande órgão cresceu como um estrondo, erguendo-se feito um gigante contra a abóbada do alto salão para arrebentá-la, Freder lançou a cabeça para trás; seus olhos arregalados e cintilantes se voltaram para cima; sem enxergar. Suas mãos tiravam música do caos daquelas notas, lutando com as vibrações do clangor e revolvendo até seu íntimo.”
A grande ensaísta alemã Lotte H. Eisner lamenta a associação da Von Harbou com Lang, considera como defeitos do filme de Lang certas influências do roteiro dela. Diz Eisner: “Seu sentimentalismo, seu gosto deplorável pela falsa grandeza a farão naufragar rapidamente nas trevas da ideologia nazista.” Lendo o romance, é crucial observar que os possíveis excessos de romantismo mórbido de Thea têm uma herança nobre, Goethe. E não é nada barato ou falso, como querem os detratores. O nazismo e a genialidade de Lang perturbaram nos anos a autêntica apreciação de quem é Thea von Harbou na literatura e no cinema.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br