Godzilla & os Monstros do Cinema
Saiba a origem de Godzilla, cuja nova versão está estreando nos cinemas mundiais
Desde tempos imemoriais, a crença em monstros faz parte do folclore de várias civilizações. Como a figura do Kraken (uma espécie de lula gigante). Na época das grandes navegações, eram incontáveis os relatos de serpentes marinhas. Até hoje, turistas viajam a Escócia à procura de algum sinal do lendário monstro de Loch Ness. Por isso é lógica que a ideia de um animal de proporções colossais que destrói tudo por onde passa sempre foi explorada no cinema.
A estreia da nova versão de Godzilla chega no ano em que este completa exatos 60 anos. No filme original, um gigantesco lagarto pré-histórico cujo hálito pode cuspir fogo foi despertado pela ação de testes com armas nucleares que provocaram uma mutação em sua natureza jurássica. O rastro de destruição que acompanha seus passos acaba com Tóquio até que o sacrifício de um cientista põe um fim na marcha mortífera da criatura. Dirigido por Ishiro Honda, Godzilla representou para a terra do sol nascente um demônio a ser exorcizado: a radiação nuclear e a queda da bomba atômica em Hiroshima & Nagasaki eram como um flagelo incutido na memória coletiva do povo japonês e personificado na figura de Godzilla, ou no original Gojira, aglutinação de duas palavras nipônicas : Gorira (gorila) e Kujira (baleia). O filme da Toho Company chegou a ser indicado para melhor filme pela Japanese Academy Awards, mas perdeu o prêmio para Os Sete Samurais de Akira Kurosawa. Curiosamente, os efeitos especiais não receberam a mesma honraria, apesar da competência do técnico Eiji Tsuburaya, o mesmo que anos depois criaria o herói Ultraman para a TV. Tsuburaya se recusou a empregar a técnica de stop-motion (usada no clássico King Kong, por exemplo) e fez uso do que foi depois chamado de suitmotion, ou seja, um ator usa uma fantasia especial se movimentando com auxílio de aparatos mecânicos por um cenário de miniaturas e maquetes mescladas a cenas de multidão. A roupa de Godzilla pesava em torno de 90 kilos e o ator que a vestia, Haruo Nakajima, se movimentava com grande dificuldade pelos cenários, não conseguindo andar mais que 9 metros com a vestimenta.
Em 1956, o mesmo Ishiro Honda dirigiu Rodan, o Monstro do Espaço (Sora no daikaju Radon) em que um pterosauro mutante aterroriza Tóquio. Primeiro filme japonês de monstro a cores, o pterosauro teve o nome modificado no ocidente, do original Radon (redução no Japão para puteranodon) para Rodan porque havia nos Estados Unidos um sabonete com o mesmo nome. Outra mudança na versão americana foi a voz do Professor Kashiwagi que foi redublado (embora sem ter sido creditado por isso) por George Takei, o Sr.Sulu de Jornada nas Estrelas. Mudanças como esta se tornaram comuns para a ocidentalização dos monstros japoneses. Sendo assim, a mariposa gigante Mosura do filme de 1961 virou Mothra, a Deusa Selvagem, novamente dirigida por Ishiro Honda, nesta altura já reconhecido em sua terra como um especialista em Kaiju Eiga ou Daikaiju Eiga como são chamados no Japão os filmes de monstros. Mothra foi o primeiro filme japonês de monstro em que a criatura surge não como um avatar do mal, mas com uma divindade idolatrada pelos habitantes da ilha Beiru, onde cientistas exploram a região e sequestram duas mulheres nativas, despertando assim a ira de Mothra que parte em seu resgate. Sua popularidade não demorou para que os produtores a colocassem em um mesmo filme que Godzilla. Não demoraria também para que além da Toho, outro estúdio se interessasse pelo gênero. Em 1965, os estúdios Daiei lançam Gamera, uma tartaruga gigantesca vinda do ártico para destruir Tóquio, último filme do gênero no Japão a ser filmado em preto e branco. O sucesso dele também seria seguido por uma série de outros filmes.
Alegorias da mente humana, defensores ou destruidores, essas criaturas ganharam imensa popularidade a medida que expurgavam os fantasmas da radiação atômica que atormentavam os japoneses. No ocidente a aparição dessas criaturas, bem como de alienígenas, espelhavam seus outros medos, mais adequados ao temor da guerra fria. Assim, os Estados Unidos tiveram o homem-peixe de O Monstro da Lagoa Negra (The Creature Of The Black Lagoon) de 1954, o gigantesco polvo de O Monstro do Mar Revolto (It Came From Beneath the Sea) de 1958, criado com a técnica de stop-motion do mestre Ray Harryhausen, a geleia disforme e devoradora de A Bolha Assassina (The Blob) de 1959 – tendo este revelado o talentoso Steve McQueen. A Inglaterra também embarcou no gênero e criou seu próprio lagarto gigante em Gorgo (1961) de Eugene Lourie, praticamente uma cópia britânica de Godzilla com Londres no lugar de Tokio. O mesmo diretor já havia filmado em 1953 O Monstro do Mar (The Beast from 20000 Fathoms) , baseado em uma história curta de Ray Bradbury, e que trazia a mesma premissa de Godzilla: a do monstro pré-histórico despertado por testes atômicos no Atlântico Norte e que vem a atacar a cidade de Nova York. Por ter sido feito um ano antes de Godzilla, muitos o consideram a inspiração para o filme de Ishiro Honda.
O sucesso e a popularidade de Godzilla sempre foi superior a dos demais tendo retornado em diversas continuações e refilmagens em um total de 30 filmes, sendo que 7 deles tiveram a direção de Honda incluindo os curiosos King Kong vs. Godzilla (1962), Mothra vs. Godzilla (1964), Ghidrah, o Monstro Tricefálo (1964) que também trazia Rodan, A Guerra dos Monstros (1965) e Terror Contra Mechagodzilla (1975). Com exceção do primeiro Godzilla de 1954, o lagartão com barbatanas dorsais e pele cinzenta e áspera que deu vida aos pesadelos dos japoneses deixou de ser seu algoz para ser defensor da humanidade nas sequências feitas, entrando em combate com outros monstros, e até com alienígenas, para salvar a Terra. Dessa forma, Godzilla tornou-se um fenômeno popular tanto no oriente quanto no ocidente onde foi americanizado com uma nova versão dois anos depois de seu lançamento original. O filme de Ishiro Honda foi remontado para lançamento internacional e com acréscimo de um novo personagem, o repórter Steve Martin (Raymond Burr) que é enviado ao Japão para cobrir o ataque de Godzilla. O processo que incluía dublagem das vozes originais se repetiu constantemente com Mothra e os demais filmes do gênero que ganhariam lançamento internacional.
Mesmo que na década de 70 e 80, o gênero já estivesse desgastado na América; no Japão o rei dos monstros é recriado para uma nova geração em The Return of Godzilla (1984), muito antes que o reboots se tornassem comum. Dirigido por Koji Hahimoto, esse filme recupera a figura da fera como vilão. O ator Akhiko Hirata, que no filme original interpretou o Dr. Serizawa, que cria a fórmula usada para matar Godzilla, foi quase incluído nesse novo filme, mas infelizmente um câncer de garganta o matou antes. O filme, contudo, não teve um impacto tão grande assim apesar de outros exemplares continuarem a ser feitos no Japão. Uma nova tentativa de ocidentalizar o monstro foi feita em 1998 pelo diretor Rolland Emmerich, que havia realizado o blockbuster de sucesso Independence Day. Emmerich aceitou recriar Godzilla depois de garantir a liberdade de promover as mudanças que desejasse, incluindo no visual da criatura já que admitira na época nunca ter sido fã do personagem. Apesar do bom elenco que incluía Matthew Broderick e Jean Reno, o resultado foi insatisfatório com um roteiro que mais parecia um amálgama de toda a série Jurassic Park. A perseguição dos filhotes de Godzilla no estádio, por exemplo, lembrava a perseguição dos velociraptores. Embora em termos financeiros o filme não tenha sido ao contrário do que se pensou desastroso, não agradou ao público e muito menos a critica. As sequências de ação não empolgavam e abusavam demais do bom senso como Godzilla desfilando por entre os edifícios de Nova York , a perseguição na ponte suspensa ou a criatura cavando tuneis, todas extremamente exageradas para um animal de tais dimensões. A decepção com o resultado desestimulou os planos do estúdio para continuações. Em 2000, o Japão retomou o personagem ignorando o filme de Emmerich em Godzilla 2000, que teve lançamento internacional, mas não o impacto esperado. A fórmula do grande monstro, no entanto, nunca se esgotou no cinema sendo ocasionalmente revisitada como J. J.Abraams em Cloverfield (2008) ou Guilhermo del Toro em Círculo de Fogo (2012).
A popularidade de Godzilla sempre foi diretamente proporcional, um ícone da cultura pop, que ganhou espaço em animações e HQs. No imaginário popular, todos aprendemos a temer e a adorar o monstrengo, e por isso mesmo justifica-se sua alcunha de “Rei dos Monstros”. (Por Adilson de Carvalho Santos)
Sobre o Colunista:
Rubens Ewald Filho
Rubens Ewald Filho é jornalista formado pela Universidade Católica de Santos (UniSantos), além de ser o mais conhecido e um dos mais respeitados críticos de cinema brasileiro. Trabalhou nos maiores veículos comunicação do país, entre eles Rede Globo, SBT, Rede Record, TV Cultura, revista Veja e Folha de São Paulo, além de HBO, Telecine e TNT, onde comenta as entregas do Oscar (que comenta desde a década de 1980). Seus guias impressos anuais são tidos como a melhor referência em língua portuguesa sobre a sétima arte. Rubens já assistiu a mais de 30 mil filmes entre longas e curta-metragens e é sempre requisitado para falar dos indicados na época da premiação do Oscar. Ele conta ser um dos maiores fãs da atriz Debbie Reynolds, tendo uma coleção particular dos filmes em que ela participou. Fez participações em filmes brasileiros como ator e escreveu diversos roteiros para minisséries, incluindo as duas adaptações de Éramos Seis de Maria José Dupré. Ainda criança, começou a escrever em um caderno os filmes que via. Ali, colocava, além do título, nomes dos atores, diretor, diretor de fotografia, roteirista e outras informações. Rubens considera seu trabalho mais importante o Dicionário de Cineastas, editado pela primeira vez em 1977 e agora revisado e atualizado, continuando a ser o único de seu gênero no Brasil.