O Capitalismo Cria Seus Monstros

O capital no século XXI (Le capital au XXIº siècle; 2013) é um dos livros do momento no panorama internacional

13/03/2015 12:09 Por Eron Duarte Fagundes
O Capitalismo Cria Seus Monstros

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O francês Thomas Piketty é um economista. Mas seus conhecimentos econômicos, lado a lado com o levantamento dos números, estão cheios de literatura. Sua teoria econômica é também feita de suas leituras dos grandes escritores. Daí a força de sua escrita: é a de quem leu muito, e com atenção. O capital no século XXI (Le capital au XXIº siècle; 2013) é um dos livros do momento no panorama internacional. Muito longe de ser um marxista, como julgam alguns pela sinopse de suas denúncias sobre as impossibilidades do capitalismo dentro da realidade duma exagerada e escandalosa concentração de renda que voltaria com força no alvorecer do século XXI, Piketty é na verdade um cérebro-monstro que é cria do próprio capitalismo, um Balzac da teoria econômica de hoje: Piketty é enfim da classe burguesa, seu livro vende muito, viaja em primeira classe pelo mundo para promover seu trabalho, vai concentrando a renda ( e a atenção) que poderia ser distribuída entre escritores tão bons ou melhores do que ele. Mas O capitalismo no século XXI é soberbo: seus dados históricos sobre a impossibilidade de um capitalismo à solta e as ilações entre a realidade contida nos dados  e os dados que alimentam as ficções de gente como o francês Honoré de Balzac e a inglesa Jane Austen são trunfos que transformam a leitura de sua monumental obra num evento extremamente agradável, para o economista é claro, e para  o amante das letras, sem dúvida. (Neste aspecto sua análise de O pai Gorot, 1835, de Honoré de Balzac, é um monumento de crítica literária dentro deste monumento sócio-econômico que é o livro como um todo). Não sei se todos os que ajudam a Piketty a amealhar dinheiro com seu livro o lerão todo, pois a preguiça de ler por tantas páginas é um fato destes tempos de internet, mas quem aventurar-se não vai decepcionar-se nem pôr o cérebro a perder tempo.

Bem no começo do livro, para evitar ser confundido com as utopias comunistas do século XX, Piketty anota: “Pertenço a uma geração que fez dezoito anos em 1989, bicentenário da Revolução Francesa, ano da queda do Muro de Berlim. Minha geração é, ainda, a que chegou à idade adulta ouvindo as notícias do desmoronamento das ditaduras comunistas e que jamais sentiu qualquer ternura ou nostalgia por esses regimes ou pela União Soviética.” Não adiantou muito a advertência do autor: como todo livro muito falado, o texto fica sujeito a equívocos, pois muitos o leram mal, em partes ou palpitam sem ler uma página sequer.

Piketty é um destes grandes e belos monstros erigidos pelo sistema e que vivem dentro do sistema tentando ajeitar este próprio sistema. Ele denuncia não o capitalismo mas o capitalismo inviável, aquele que se enforca. Não deixa de ter extrema atualidade. O recrudescimento da violência nos movimentos sociais e étnicos e religiosos e místicos parecem indicar esta luz vermelha de fim de linha do capitalismo. “Aqueles que possuem muito nunca se esquecem de defender seus interesses. Recusar-se a fazer contas raramente traz benefícios aos mais pobres.” Piketty faz as contas, e as faz bem, não certamente porque lhe apraza dividir com os mais pobres mas porque há ainda muitos acima dele na hierarquia econômica, e é preciso chegar lá. Piketty execra o rico desdenhoso do filme Titanic (1995), do americano James Cameron: mas não haverá um pouco disto, hoje, em Piketty, um autor célebre talvez pelos motivos tortos? Com tudo, seu O capitalismo no século XXI é uma aguda necessidade –econômica, literária—dos tempos bicudos.

 

P.S.: Alguns dias depois de concluída a leitura do livrão de Piketty, numa caminhada matinal pela praia dos Ingleses, em Florianópolis, entreouvi algo entre dois meninos que me espantou. O mais velho tinha um treze anos e o mais novo não teria mais de dez. Dizia o mais velho ao mais novo: “Capitalismo é isto. Antigamente uma geladeira durava uma vida toda. Hoje, se sua geladeira durar três anos, é muito. Capitalismo é isto: se tira de quem precisa das coisas para que quem pode fabricar as coisas tenha mais dinheiro.” A concentração de renda está por toda a parte, pois: num livro escrito no fervor europeu das ideias e numa praia brasileira incandescida pelas cabeças de meninos.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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