Onde Vivem os Monstros?
O filme de horror que chocou a crítica e o público, hoje dá aula sobre o que realmente nos assusta
Pessoas grandes ou pequenas demais ou que possuem deficiências físicas que as tornam parecidas com animais. Mulheres com barba e gêmeas siamesas. Houve um tempo em que esta turma via como fonte de renda a “carreira artística” e tornavam-se o grande atrativo de circos e feiras pelo mundo afora. Uma geração como a nossa, que aprendeu a discutir e defender a inclusão, pode se assustar com uma realidade dessas, ainda mais mostrada na tela grande. E foi esta a temática que o diretor Tod Browning apresentou, com a cara e a coragem, no longa-metragem Monstros, de 1931. Apesar de ter alcançado o posto de clássico décadas depois de seu lançamento, o filme arruinou a carreira de Browning e até hoje divide opiniões.
Críticas à parte, muitos esquecem que, por tratar-se de um exemplar insólito do cinema de horror, Monstros oculta sua verdadeira “mensagem”. Não que uma produção precise dar algum recado ao mundo ou seja pensada para trazer múltiplas ideias nas entrelinhas, mas mesmo a maior das fantasias esconde o lado obscuro da realidade. Tod Browning achou que fez um filme que explora a imagem de pessoas com deficiência, e realmente o fez. Mas o objetivo desta exploração pode ter várias faces. A melhor delas, e também a menos lembrada, é quem são os verdadeiros monstros referidos no título.
No original, Freaks é uma expressão que refere-se a aberrações, mas que na década de 60 ganhou nova abordagem. “Freaks” eram pessoas fora do padrão, ousadas, incomuns. Num momento da história onde cada um queria ser reconhecido como único, ser freak era um elogio. Por fazer parte de uma outra geração, Browning acabou preso a ideia de que utilizou a imagem de pessoas com deficiências de maneira maldosa, por mais que todas estivessem ali por livre e espontânea vontade e fossem maiores de idade.
Monstros pede sensibilidade. A cena da festa de casamento, onde a interesseira noiva Cleopatra, interpretada por Olga Baclanova, só pensa em colocar a mão na fortuna herdada pelo noivo Hans, já dá ideia da vingança que se seguirá. A dita “normal” é que precisa portar máscaras para esconder seus reais objetivos com a união, enquanto os “monstros” comemoram felizes e unidos.
O filme de horror que chocou a crítica e o público, hoje dá aula sobre o que realmente nos assusta. Quem são os monstros de verdade? Assista e descubra. Ou dobre a próxima esquina e encontre vários.
Sobre o Colunista:
Bianca Zasso
Bianca Zasso é jornalista e especialista em cinema formada pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA). Durante cinco anos foi figura ativa do projeto Cineclube Unifra. Com diversas publicações, participou da obra Uma história a cada filme (UFSM, vol. 4). Ama cinema desde que se entende por gente, mas foi a partir do final de 2008 que transformou essa paixão em tema de suas pesquisas. Na academia, seu foco é o cinema oriental, com ênfase na obra do cineasta Akira Kurosawa, e o cinema independente americano, analisando as questões fílmicas e antropológicas que envolveram a parceria entre o diretor John Cassavetes e sua esposa, a atriz Gena Rowlands. Como crítica de cinema seu trabalho se expande sobre boa parte da Sétima Arte.