Coleção Hollywood Contra Hitler

A Versátil lança coleção com seis filmes sobre o tema

16/10/2012 14:23 Por Rubens Ewald Filho
Coleção Hollywood Contra Hitler

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A distribuidora Versátil continua a apresentar lançamentos de filmes clássicos de forma interessante e original. Desta vez, montou um Box reunindo seis filmes americanos importantes no esforço de Hollywood em participar da luta contra o nazismo. São todos filmes que hoje pertencem a Warner (incluindo também alguns que foram da MGM).

É importante saber que em 1939, quando Hitler invadiu a Polônia dando início oficial a Segunda Guerra Mundial, os norte-americanos estavam insuflados por uma campanha isolacionista tão forte que os que ousassem defender uma ajuda aos britânicos (que ficaram sozinhos na luta contra Hitler e o Nazismo) eventualmente eram perseguidos e acusados mesmo de serem comunistas (como foi o caso de Charles Chaplin, que foi perseguido por ter feito O Grande Ditador, 40, mostrando a semelhança de Carlitos com Hitler).

Esta não é nossa guerra, diziam os políticos (felizmente o presidente Roosevelt, mais astuto, secretamente já preparava a industrialização do país) pensando também no lado comercial (os filmes americanos, por exemplo, só deixaram de circular na Europa quando houve finalmente o rompimento de relações entre os países). Por isso a surpresa do ataque japonês a Pearl Harbor, que os isolacionistas nunca pensaram que pudesse um dia acontecer. Foi uma dura lição, descobrir que não se pode confiar na palavra dos ditadores.

No caso dos nazistas, isso é ainda mais curioso porque eles eram abertamente contra os judeus e a perseguição era já aberta e não disfarçada. Anti-semita era uma palavra de ordem prioritária para os nazistas. E sabidamente os donos ou chefe dos estúdios eram praticamente todos judeus. A origem disso é antiga: vítima de preconceitos, os judeus e os artistas eram afastados de profissões ditas mais dignas e por isso forçados a trabalhar em ferro velho ou diversões. E durante toda sua vida lutaram pelo auto-respeito e sua absorção no mercado de trabalho, como verdadeiros americanos. Muitas vezes mudando seu sobrenome e sempre procurando se comportar como norte-americanos médios.

Pode parecer estranho e até mesmo absurdo que os estúdios não tenham contra atacado os nazistas com filmes sobre o tema, eles nem sequer cortaram as relações com a Alemanha! E foi considerado extrema ousadia (e repudiado pelos colegas) quando a Warner fez Confissões de um Espião Nazista (que faz parte desta edição), em 1939. De fato, só quando a guerra foi oficialmente declarada é que toda a indústria mergulhou de corpo e alma no chamado “esforço de guerra”.

O pacote da Versátil reúne seis filmes inéditos em VHS ou DVD no Brasil, embora sejam famosos e mesmo premiados (Horas de Tormenta deu o Oscar de Melhor Ator para Paul Lukas) e realizados por diretores importantes como Anatole Litvak, Jules Dassin, Frank Borzage, Fred Zinnemann e Edward Dmytryk. Assim como astros famosos como Bette Davis, James Stewart, Spencer Tracy, Edward G. Robinson.

 

Os filmes:

CONFISSÕES DE UM ESPIÃO NAZISTA (Confessions of a Nazi Spy, 39)

Reza a lenda que Hitler planejava executar todos que participaram deste filme depois que ele tivesse ganhado a guerra. É inspirado em fatos reais, um julgamento que houve em Nova York que condenou quatro pessoas por espionagem  a favor do governo alemão. Alguns atores (como Marlene Dietrich e Ann Sten) recusaram fazer o filme por medo de represálias contra parentes. Havia medo de sabotagem (e realmente uma câmera caiu e quase matou o diretor Litvak).

Foi sucesso apesar de ter sido proibido logicamente na Alemanha e Japão mas também em 18 países latino-americanos. Dizem mesmo que o governo americano chegou a recomendar a Warner a não fazer outro filme semelhante. Ainda assim houve outros filmes favoráveis ou dando apoio a Guerra, como Sargento York, Correspondente Estrangeiro de Hitchcock, Um Yank na Raf, Man Hunt, Tempestades D´Alma (incluído aqui). Ou seja, foi sucesso de público (o que em ultima análise é o que interessa a eles) ao mesmo tempo que houve ameaças e acusações de conspiração contra os nazistas.

Esta cópia do filme dá a impressão de que existe outra versão também, onde Edward G. Robinson teria participação mais presente (aqui só aparece na metade e a trama fica meio sem estruturas) como um agente que recorda o passado. Alguns atores mais famosos ficam também mal servidos, após um começo agitado e vibrante, o filme se perde.

George Sanders faz um agitador que tem pouca ação, Francis Lederer é um alemão que faria qualquer coisa por dinheiro e o futuro premiado como Oscar, Paul Lukas prega a favor do nazismo. É importante se notar que o filme foi lançado quando a Alemanha invadiu a Áustria e Tchecoslováquia, ou seja, cerca de seis meses antes do início oficial da Guerra.

Seria baseado em artigos do agente Leon G. Turrou, mas tiveram que tira-los dos créditos por causa de conflito de interesses. O caso é mostrado no filme como um sucesso, mas na realidade deu tudo errado, a promotoria cometeu vários erros e a maior parte dos espiões conseguiu escapar. Utiliza já o estilo semidocumentário que depois seria muito explorado. Ousado para sua época (Jack Warner chegou a ter ameaças de morte). Evita falar no antisemitismo. O diretor Anatole Litvak (1902-74), embora hoje esquecido, foi muito popular e importante (indicado ao Oscar por Decisão Antes do Amanhecer, Na Cova das Serpentes, fez também filmes populares como Anastasia, com Ingrid Bergman, Tudo Isso e O Céu, também com Bette Davis, Uma vida por um Fio, com Barbara Stanwyck e outros).

 

UMA AVENTURA EM PARIS (Reunion in France, 1942)

Um curioso exemplo de filme que não sabe para que lado virar. Não é comédia, não é bem romance, não chega a ser aventura de espionagem de guerra. Dá a impressão de que os fatos da guerra muito recentes atrapalharam os realizadores. Tanto que o filme foi apressado para o fim do ano (e se chamava apenas Reunion, depois puseram France). Foi único filme de Joan Crawford do esforço de guerra (ela está perdida na historia, para não falar no figurino inadequado! Pela única vez com Wayne, outro que não se encontra – aliás, este é o penúltimo filme de Joan com a Metro, ela ira para a Warner logo depois). É apenas o terceiro ou quarto longa de Jules Dassin que ficaria famoso depois quando fugiu do McCarthismo e reconstruiu a carreira na Europa com Melina Mercouri.

Mas não há verdade alguma no comportamento da socialite (parece invenção mesmo de Hollywood, perdida no tempo e espaço, vivendo um amor ainda mais absurdo com um nobre que se vendo aos nazistas, mas também tem paixão por Paris, tudo isso na época da Ocupação Pelo Inimigo). O roteiro tenta fazer humor com os espiões e as empregadas da loja, mas é um equivoco. Alias uma das moças é a muito jovem Ava Gardner, que faz figuração num par de cenas.

 

TEMPESTADES D´ALMA (The Mortal Storm, 40)

É injustamente esquecido e muito competente, o diretor Frank Borzage (1894-1962) que ganhou dois Oscars: Depois do Casamento, 31 e O Sétimo Céu, 27. Este é um filme da MGM, que tem um estilo de narrativa bem da época. Na primeira meia hora reduz em praticamente um único dia o essencial da história e o que os personagens pensam e fazem. É o aniversário do patriarca (Frank Morgan, O Magico de Oz), que é celebrado, mas também deflagra a crise entre irmãos ou meio irmãos, e colegas de faculdade alemã que começam a discutir por causa do subida ao poder dos nazistas.

Não há praticamente discussão, os que viram nazistas são tão exagerados que chegam a matar os parentes queridos e perseguir abertamente judeus que há pouco eram amigos. Tudo discretamente (não se fala bem que são judeus) e sem melodrama. Mas o filme tem um clima épico e romântico além de um elenco convincente, que acaba por garatir um impacto. Elenco notável, tem James Stewart, Margaret Sullavan, Dan Dailey, Robert Stack, Robert Young, Bonita Granville.

  

HORAS DE TORMENTA (Watch on the Rhine, 43)

Um filme raro apesar de ter levado o Oscar de Melhor Ator para Paul Lukas. Era um ator húngaro que trabalhou em toda parte, inclusive Hollywood, em geral em comédia ou romance. Aqui ele repetiu papel que fez na Broadway e não merecia ter ganho. Além de não convencer e seu papel ser secundário, os rivais estavam melhores como Bogart por Casablanca, Mickey Rooney por A Comédia Humana, Gary Cooper por Por Quem os Sinos Sobram e até Walter Pidgeon, por Madame Curie.

Foi realizado por um diretor de teatro que não foi adiante (Herman Shulin), e Bette Davis foi colocada no elenco só para atrair algum público. O roteiro é do casal na vida real Lillian Hellman e Dashiell Hammett, mas perde tempo descrevendo os convidados da família de Bette e como a sociedade de Washington se comporta com convidados estrangeiros e espiões. Ou seja, perde tempo com coadjuvantes (bons por sinal) e conflitos secundários, deixando o conflito importante de lado (isto é o que é ser um lutador antifascista, tendo que chegar ao assassinato para isso). É visível que no começo há um adendo para introduzir a historia e no final um fechamento para fazer sentido. Mas como filme é muito discutível.

 

A SÉTIMA CRUZ (The Seventh Cross, 44)

 O então jovem Fred Zinnemann (Matar ou Morrer) revela seu talento como narrador mesmo com orçamento baixo (teve que rodar tudo em estúdio, nos velhos sets que serviam para tudo). Mas é ajudado também por um elenco formidável (Agnes Moorehead, por exemplo, que tem algumas palavras apenas) e um clima de tensão que tornou sucesso esta adaptação do livro de Anna Seghers, potencialmente trágico. Spencer Tracy é um dos sete fugitivos de campo de prisioneiros/concentração que procura fugir mas não tem saída, cercado de traidores (eles xingam muito os alemães ) e inimigos.

 Hume Cronyn e Jessica Tandy (jovens e já casados) fazem um típico casal alemão a quem ele vem pedir ajuda. Aos poucos, demonstram que há ainda pessoas decentes e amigos leais mas são todos ao menos vítimas do nazismo. A sueca Signe Hasso é o interesse romântico imposto pelo estúdio, uma bondosa garçonete. A crítica do filme se refere especificamente a 1936, quando houve uma grande crise de mudanças, o que explicaria a visão pessimista diante da falta de decência generalizada. E por isso que o final aqui parece abrupto e não convence.

  

OS FILHOS DE HITLER (Hitler´s Children, 43)

Foi iniciado por outro diretor Irving Reis, que brigou com o produtor esperando ser recontratado. Mas preferiram chamar outro, Edward Dmytryk (1908-99) que futuramente seria um dos Dez de Hollywood,  que foram para a cadeia acusados de terem sido membros do Partido Comunista. Dmytryk depois fez o feio de voltar atrás, denunciar todos e no resto da vida ficou desmoralizado (voltou a dirigir ate filmes importantes mas perdeu o respeito).

Este foi o maior sucesso de bilheteria da RKO, feito por 200 mil dólares rendeu 3.355 milhões de dólares mais do que King Kong, Picolino e 4 Irmãs. O diretor e o produtor chegaram mesmo a ganhar bônus especiais e dali em diante o nome Hitler num letreiro queria dizer que ele ir dar dinheiro. Baseado no livro Education for Death, que é citado nos letreiros do começo. Assumidamente propaganda aliada, só rendeu menos no ano do que Mr. Lucky com Cary Grant.

É importante saber quem foi Bonita Granville, 1923-88, que era uma atriz infantil que ficou famosa como vilã no filme Infâmia (versão de 36, de These Three, com Merle Oberon e Miriam Hopkins onde faz a menina que difama as professoras). Depois disso, ela conseguiu ser estrela e aqui tem o primeiro papel central (o seu favorito por isso). Eventualmente ela se tornaria dona de Lassie e produtora da série de TV. Aqui ela é a protagonista sempre empolgada num filme que brada aos gritos o que é a Alemanha de Hitler, para não deixar duvidas de que a esta denunciando e de forma muito evidente e clara.

O galã aqui é o mesmo Tim Holt (1919-73), de O Tesouro de Sierra Madre. Filho do cowboy Jack Holt, também galã do clássico de Orson Welles, Soberba, tem jeitão de Van Damme. É ele quem faz o par central com Bonita, a heroína que por ter nascido na Alemanha é recrutada e forçada a não ser americana. Sem sutilezas, por isso o filme é tão forte ainda. E nos perguntava abertamente: podemos deter ainda os filhos de Hitler? A resposta a própria Segunda Guerra Mundial teria que dá-la. Sim, mas a que custo!!!

 
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Sobre o Colunista:

Rubens Ewald Filho

Rubens Ewald Filho

Rubens Ewald Filho é jornalista formado pela Universidade Católica de Santos (UniSantos), além de ser o mais conhecido e um dos mais respeitados críticos de cinema brasileiro. Trabalhou nos maiores veículos comunicação do país, entre eles Rede Globo, SBT, Rede Record, TV Cultura, revista Veja e Folha de São Paulo, além de HBO, Telecine e TNT, onde comenta as entregas do Oscar (que comenta desde a década de 1980). Seus guias impressos anuais são tidos como a melhor referência em língua portuguesa sobre a sétima arte. Rubens já assistiu a mais de 30 mil filmes entre longas e curta-metragens e é sempre requisitado para falar dos indicados na época da premiação do Oscar. Ele conta ser um dos maiores fãs da atriz Debbie Reynolds, tendo uma coleção particular dos filmes em que ela participou. Fez participações em filmes brasileiros como ator e escreveu diversos roteiros para minisséries, incluindo as duas adaptações de “Éramos Seis” de Maria José Dupré. Ainda criança, começou a escrever em um caderno os filmes que via. Ali, colocava, além do título, nomes dos atores, diretor, diretor de fotografia, roteirista e outras informações. Rubens considera seu trabalho mais importante o “Dicionário de Cineastas”, editado pela primeira vez em 1977 e agora revisado e atualizado, continuando a ser o único de seu gênero no Brasil.

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