Um Melodrama em Hollywood nos Anos 80

Curiosamente, aos olhos de hoje, Filhos do silencio teria elementos para ultrapassar o ramerrao de Hollywood

20/06/2022 16:56 Por Eron Duarte Fagundes
Um Melodrama em Hollywood nos Anos 80

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As formas do melodrama no cinema americano na década de 80 do século passado obedeciam a um padrão que nascia na superficialidade do roteiro  e se materializava bem é na conduta dos atores diante das câmaras compassivas. Rodado na metade deste decênio característico da indústria de filmar na América, Filhos do silêncio (Chrildren of a lesser God; 1986), dirigido por Randa Haines, segue facilmente estas linhas fáceis que já encontráramos em obras mais (Uma mulher descasada, 1978, de Paul Mazursky) ou menos (Kramer versus Kramer, 1979, de Robert Benton) bem-sucedidas: as histórias de fácil sentimentalismo seguidas por intérpretes maneiristas em suas formas de interpretação. Quer dizer: o melodrama ao gosto do público que se sedimentou ao longo dos 80 já se plasmava no fim da década anterior. Ou talvez antes, no princípio dos anos 70, com o belo Nosso amor de ontem (1973), de Sydney Pollack. Como no filme de Pollack, Haines busca em Filhos do silêncio um atrito entre personagens que se amam a despeito das diferenças, dando numa certa incomunicabilidade cênica; só que Haines não conta com o instrumental de Pollack para alçar seu filme a algo que seja mais do que aquele modelito de sucesso comercial que foi em seu tempo.

Curiosamente, aos olhos de hoje, Filhos do silêncio teria elementos para ultrapassar o ramerrão de Hollywood. É dirigido por uma mulher: um olhar de sensibilidade diversa, pois. E traz no principal papel feminino uma estreante que é surda como sua personagem, a atriz Marlee Matlin, na época com vinte anos de idade e foi premiada com o Oscar de melhor atriz. Mas a narrativa esbarra em sua opção por convencionalismos: desvia o foco da questão do universo meio marginal dos surdos para o caso de amor entre um homem que fala (William Hurt, com seus incômodos trejeitos de estrela do cinema americano) e a jovem surda (Marlee, ainda imatura, longe de sua ressurreição recente no filme Coda, no ritmo do coração, 2021, de Sian Heder, mas com um frescor superior aos artifícios de Hurt, embora lá pelas tantas ela se deixe contaminar por Hurt e seus exageros dramáticos insossos, lembrando que na época das filmagens Hurt e Marlee eram casados na vida fora do cinema); outra convenção barata é fazer o mais das vezes a linguagem dos sinais ser traduzida pela linguagem vocal dos atores que falam. Uma precariedade formal que é talvez a coisa mais datada do filme: verbalizar em sons os sinais usados pelos que, não ouvindo, não falam.

Entre as aparições secundárias, a veterana Piper Laurie no papel da mãe de Sarah, criando mais conflitos com a personagem da jovem muda; Piper é uma atriz entre os incautos (o trejeitoso Hurt, a bela e emocionada Marlee), ela já vivera uma outra mãe no cinema, a mãe da adolescente perturbada de Sissy Spacek em Carrie, a estranha (1976), de Brian De Palma. De ponto em ponto, Filhos do silêncio é bem mais uma curiosidade de arqueologia cinematográfica do que uma obra que sobreviva em termos fílmicos.

P.S.: Existem dois momentos em que o filme poderia elevar-se acima de si mesmo. Um deles é a relação amorosa e sexual entre James e Sarah submersos numa piscina; as imagens carregam no edulcorado dos corpos, especialmente o dela, como uma sereia erótica cruzando de bruços a água. O outro é o frenesi de Sarah diante da incompreensão de James para com seu universo de surda: é um instante alto da intensidade dramática de Marlee. O que ocorre é que a realizadora, Haines, prefere dissolver estas promessas de voo num processo de filmagem de fluidez leve, desde algumas obviedades, da faixa musical.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro “Uma vida nos cinemas”, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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