Especial Sam Peckinpah

Confira a biografia e toda a filmografia (comentada) do diretor, o "poeta da violência"

09/09/2014 14:58 Por Rubens Ewald Filho
Especial Sam Peckinpah

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Recebi um bem cuidado Livro do Sesc promovendo a Retrospectiva Sam Peckinpah em julho de 2014 e fiquei um pouco enciumado de não me terem pedido críticas da época ou do tempo do home vídeo. Curioso, fui procurar o que tinha arquivado. E era praticamente tudo que esteve disponível aqui dele. Sempre tive uma relação difícil com o cineasta, talvez irritado de ver um talento como o dele estragar sua vida e obra por causa do alcoolismo (e outras cositas mas...), que o levaram a constantes conflitos com os produtores de tal forma que praticamente nenhum dos seus filmes foi exibido originalmente na integra, no director´s CUT, que não existia na época.  Mas fez muita coisa brilhante, mudou a historia do cinema (sem ele não existiria por exemplo Tarantino) e acho formidável que uma nova geração descubra seu trabalho, mesmo que irregular, sempre interessante. Aqui esta sua biografia e filmografia.

 

Biografia

Sam  Peckinpah (1926-1984)

Diretor americano, o poeta da violência. Ou, para outros, apenas uma prostituta que se aproveitava dos maus instintos da plateia mostrando as cenas de violência em implacável detalhe. Foi ele que revolucionou o gênero com Meu Ódio Será tua Herança, não apenas brilhante pelos tiroteios sangrentos em câmera lenta como também pelo simbolismo (como as crianças queimando os escorpiões no início). Só que Sob o Domínio do Medo já foi mais difícil de decifrar, acabando por culminar com Os Implacáveis, violento, amoral e injustificável.

A conclusão parece certa: um talento inegável mas indisciplinado, a serviço de causas erradas. Era alcoólatra, violento, incontrolável, impossível de se conviver. Isso mais do que qualquer outra razão explica o porquê de sua demorada ascensão e rápido declínio. Basta constatar que praticamente nenhum de seus filmes grandes chegou às salas de cinema em sua cópia completa (e portanto todos têm sofrido restaurações para a versão do diretor). Sempre havia problemas com o estúdio, o produtor, ou algum tipo de censura. Mas era também um grande cineasta e que teve considerável influência no cinema de sua época. E para que negar, foi ele quem fez algumas das cenas mais repugnantemente belas de duelos e matanças no cinema!

David Sam Peckinpah era descendente de juízes da Suprema Corte americana e de um avô que comprou uma montanha para batizá-la com seu sobrenome. Lutou na Guerra na China, estudou Drama na Universidade da Califórnia, escreveu roteiros para a TV, criando a série O Homem do Rifle. Foi assistente em Vampiro de Almas, de Don Siegel, escreveu o roteiro de Villa, O Caudilho, de Buzz Kulik; Assim Morrem os Bravos, de Arnold Laven, além do A Face Oculta, de Marlon Brando. Sempre com problemas com os produtores, abandonou as filmagens de A Mesa do Diabo, de Norman Jewison; 35 minutos foram eliminados de Meu Ódio Será tua Herança, outro tanto em Juramento de Vingança (Heston desistiu de salários para financiar re-takes), 15 minutos em Pat Garrett; a trilha musical refeita em Os Implacáveis. Fez também a segunda unidade para o Senhor das Ilhas, de Tom Gries. Apareceu como ator em pontas em Choque de Ódios, de Jacques Tourneur, Dois Corações e Uma Alma e Vampiros de Almas, de Siegel. Morreu de derrame, em 28 de dezembro, em Inglewood, California.

 

Filmografia

Dir.: 1961 – O Homem que Eu Devia Matar ou Parceiros da Morte (The Deadly Companions. Maureen O’Hara, Brian Keith). 1962 – Pistoleiros do Entardecer (Ride the High Country. Randolph Scott, Joel McCrea). 1965 – Juramento de Vingança (Major Dundee. Charlton Heston, Senta Berger). 1969 – Meu Ódio Será Sua Herança ou Meu Ódio Será Tua Herança (The Wild Bunch. William Holden, Ernest Borgnine). 1970 – A Morte Não Manda Recado (The Ballad of Cable Hogue. Jason Robards, Stella Stevens). 1971 – Sob o Domínio do Medo (Straw Dogs. Dustin Hoffman, Susan George). 1972 – Dez Segundos de Perigo (Junior Bonner. Steve McQueen, Ida Lupino). 1973 – Os Implacáveis (The Getaway. Steve McQueen, Ali MacGraw). Pat Garrett e Billy the Kid (Pat Garrett and Billy the Kid. James Coburn, Kris Kristofferson). 1974 – Tragam-me a Cabeça de Alfredo Garcia (Bring Me The Head of Alfredo Garcia. Warren Oates, Gig Young). 1975 – Elite de Assassinos (The Killer Elite. James Caan, Robert Duvall). 1977 – A Cruz de Ferro (Cross of Iron. James Coburn, James Mason). 1978 – Comboio (Convoy. Kris Kristofferson, Ali MacGraw). 1984 – O Casal Osterman (The Osterman Weekend. Burt Lancaster, Rutger Hauer).

 

Filmografia/Critica - PARTE 1

 

Parceiros da Morte (The Deadly Companions) EUA, 1961. 90 min. Diretor: Sam Peckinpah. Elenco: Maureen O’Hara, Brian Keith, Steve Cochran, Chill Wills, Strother Martin, Will Wright, James O’Hara.

Sinopse: Ex-oficial da União acidentalmente mata o filho de uma mulher. Tenta se desculpar escoltando a procissão funerária através de território Apache. 

Comentários: Também conhecido nos cinemas como O Homem que eu Devia Matar, este faroeste acabou ficando famoso por ter sido o primeiro trabalho no cinema do futuro mestre do gênero Peckinpah. Mas era apenas uma fita de encomenda por parte do irmão da estrela Maureen e é preciso toda atenção para se procurar alguma presença vaga do estilo do próximo poeta da violência. Um produção modesta, quase B, onde só procurando bem se encontram qualidades e indícios da presença de Peckinpah: personagens mais complexos, cuidado com detalhes, certo clima. Criticam muito a trilha musical pomposa e perde-se bastante (em vídeo) sem o widescreen original. O problema é que o filme caiu em domínio público e as cópias são irregulares. Não tem nada da violência estilizada do diretor (até porque ele também não teve o corte final). Ou seja, apenas uma curiosidade.

 

Pistoleiros do Entardecer (Ride the High Country) EUA, 1962. 94 min. Direção de Sam Peckinpah. Roteiro de N.Stone Jr. Foto de Lucien Ballard. Com Randolph Scott,Joel McCrea, Mariette Hartley, Ron Starr,James Drury, L. Q. Jones, Edgar Buchanan, R.G. Armstrong, Warren Oates.

Sinopse: Um ex-homem da lei é contratado para transportar o ouro de uma comunidade de mineiros através de um território perigoso.O que ele não sabe é que seu sócio e parceiro esta planejando traí-lo.

Comentários: Embora nunca tenha sido sucesso em sua estreia no Brasil, aos poucos foram descobrindo que havia  algo diferente neste hoje clássico Western famoso por reunir dois dos mais famosos e reconhecidos astros do gênero, pela primeira vez juntos e se despedindo da carreira (porque ambos ficaram muito ricos). No caso Randolph Scott (1898-1987) e Joel McCrea (1905-90). Ambos maduros mas ainda em forma (Scott se aposentou mesmo, mas McCrea fez besteira aparecendo em 4 filmes pequenos, apesar deste aqui ser o verdadeiro canto do cisne). Também a fotografia é excelente e feito por fotógrafo famoso assim como as locações (na Sierra Nevada). O mais interessante é que no começo das filmagens os dois astros trocaram de papéis porque acharam que assim o filme ficaria mais interessante. E estavam corretos (alias o projeto era para ser com Gary Cooper e John Wayne, mas Cooper faleceu antes). Rodado em 26 dias, sem atrasos ou excessos. Estreia de Mariette Hartley que levou prêmio de revelação do Bafta. A cena final de ação com os cavalos é particularmente forte.  

 

 

Juramento de Vingança (Major Dundee) EUA, 65. Direção de Peckinpah. Roteiro de Peckinpah, Oscar Saul, Harry Julian Fink. Com Charlton Heston, Richard Harris, Jim Hutton, James Coburn, Michael Anderson Jr, Senta Berger, Mario Adorf, Brock Peters, Warren Oates, Ben Johnson. L.Q. Jones

Sinopse: Durante o ultimo ano da Guerra Civil americana, o ofical da cavalaria Amos Dundee lidera um grupo de soldados, prisioneiros confederados e batedores numa expedição até o México para destruir um bando de apaches que atacaram bases americanas no Texas.

Comentários: Saiu em DVD com cenas extras a edição estendida do filme, com 136 minutos. A original é de 123 minutos! O roteiro foi escrito para John Ford, que o recusou. Mas ele já esta velho e ainda não tinha terminado Crepúsculo de uma Raça. Naturalmente houve brigas sucessivas com os produtores que não deram dinheiro para completar cenas importantes. Reza a lenda que o astro Charlton Heston ofereceu devolver seu salário total se esse fosse usado para completar o filme (a versão mais recente afirma que Heston foi enganado, aceitaram o dinheiro e não fizeram o prometido). Seria uma cena fundamental de massacre de soldados e civis. Por outro lado Sam era tão antipático que Heston chegou a chamá-lo para a briga com sabre para defender os colegas. Depois do sucesso de Meu Ódio Será Tua Herança parece que o estúdio lhe ofereceu para então realizar estas sequências, mas o diretor não aceitou. Outra briga famosa foi de Heston com Richard Harris, outro alcoólatra atrasado e irresponsável.  Mas já estão no elenco os atores que faria parte do elenco permanente dos filmes do diretor : Warren Oates, Ben Johnson, L.Q. Jones, Dub Taylor, Aurora Clavel, Enrique Lucero. Originalmente o roteiro continha muitos palavrões, coisa impensável naquela época. Também a trilha musical marcial foi colocada contra a vontade do diretor. Na versão revista a trilha musical é nova e feita por Christopher Caliendo (mesmo com esses acréscimos as cenas que faziam a história parecer o General Custer nunca chegaram a ser feitas!). Na verdade, o filme não teve grande sucesso em sua estreia e nem mesmo com a nova versão. A reputação do diretor se sustentava apenas por Pistoleiros do Entardecer.

 

Meu Ódio Será sua Herança (The Wild Bunch). EUA, 1969. 144 min. Diretor: Sam Peckinpah. Elenco: William Holden, Ernest Borgnine, Robert Ryan, Edmond O’Brien, Warren Oates, Jaime Sanchez, Ben Johnson, Strother Martin, L. Q. Jones, Albert Dekker.

Sinopse: Em 1913, no México, um grupo de velhos foras-da-lei se reúnem para dar um último grande golpe para se aposentarem.

Comentários: Sam Peckinpah nunca teve sorte com os produtores, nem com a censura. Este seu filme mais famoso foi lançado com 134 minutos, mas foi relançado em 1981 com 142, com duas cenas cortadas novamente na fita (na versão europeia que acabou sendo a definitivamente a metragem é a de 144 minutos que tem a edição em DVD no Brasil). William Holden (1918-81), que faz aqui o herói, na época já tinha problemas graves com o alcoolismo que eventualmente o mataria (bêbado, caiu no quarto, bateu a cabeça e sangrou até morrer). Aliás pelo jeito todo mundo bebeu muito na fita, porque também o diretor sofria desse problema. Para o papel central, pensaram antes em Lee Marvin (mas este preferiu fazer o musical Paint Your Wagon). Ernest Borgnine passou o filme todo mancando porque estava com o pé esquerdo quebrado. Foi a estreia no cinema de Bo Hopkins como Crazy Lee. Soldados mexicanos foram usados como extras. Dizem que foi usada mais munição neste filme do que em toda a revolução mexicana de 1914.

Originalmente, antes do começo do filme, deveria haver um letreiro que o diretor Peckinpah considerou supérfluo. Dizia: “Para a maioria da América, em 1913, as histórias das guerras dos índios, da corrida do ouro e dos grandes pistoleiros, se tornaram conversas de salão ou reminiscências familiares. Mas dos dois lados do Rio Grande, ainda viviam homens da mesma maneira que nas décadas de 1870-1880, homens que não mudaram numa terra que mudava rapidamente”. Foi com este faroeste extraordinário que renasceu o gênero. Os italianos fizeram contrafações, mas o americano meio índio Sam Peckinpah foi que realizou o primeiro faroeste realmente alicerçado na violência. Antes de tudo é preciso convir que o Oeste, e toda a formação dos EUA, foi conquistado de forma violenta, com muito sangue derramado. Este filme mostra os heróis do Oeste sem sua áurea santificante e lendária. Eles matam a “sangue-frio” às vezes para não morrer, às vezes por descuidos ou obrigação, raramente por um ideal.

Em Meu Ódio será sua Herança, sente-se várias influências: o malabarismo dos combatentes samurais (sangue jorrando), a câmera lenta de Bonnie e Clyde e Butch Cassidy. Mas ao contrário desses dois, não se procura fazer uma coisa bonitinha, disfarçada em lenda ou comédia. É a morte dura e cruel, a inevitabilidade da violência sobrepondo-se às necessidades do espetáculo. Peckinpah situou sua história no fim da Conquista do Oeste. Os heróis estão velhos, decadentes e os caçadores de recompensas os perseguem violentamente. A fuga para o México resolve temporariamente o problema. É em plena revolução mexicana como em Os Profissionais, que os bandidos são contratados para um serviço e por fim forçados a tomar uma posição ética.

A grande curiosidade é que apesar do filme ser o faroeste violento mais feito (até então), a violência nunca é gratuita, Peckinpah mostra simplesmente como ela existia no Oeste. A imagem inicial resume tudo: crianças sorridentes brincam juntas. A brincadeira é assistir dois escorpiões sendo devorados por formigas! E depois vê-las sendo consumidas pelas chamas. Assim, ele mostra como a morte era uma coisa trivial. Um tiroteio nas ruas não respeitava realmente nenhuma lei; quem estivesse na frente morria, bandido ou não, uma morte indiscriminada que não se pode deixar de comparar com fatos recentes de violência urbana aqui mesmo no Brasil. E morte com os detalhes verdadeiros, a surpresa, a podridão, a falta de razões. Por isso, os caçadores de recompensas são uma ralé sem qualquer moral, sujos, nojentos, mas humanos nessa sua condição de ignorância .

A desmistificação continua com o Exército Americano (incapaz de comandar seus homens assiste impotente ao trem se chocar) e uma coisa discutível: a visão que o diretor dá aos mexicanos é extremamente folclórica como se eles fossem nativos das Ilhas do Sul (só faltando dançar o Hula-hula). A caricatura fica assim muito carregada com o coronel mexicano, feito pelo famoso diretor Emilio Fernandez, ou todo aquele povo visto “colonialisticamente” (a não ser que seja uma crítica essa visão de “gente inferior” que os norte-americanos tem dos latinos, francamente isso não fica muito claro). Mas se depois do Massacre do começo, o ritmo decai, faz-se uma pausa até que as cenas fiquem   realmente emocionantes: o mexicano matando ao som de um palavrão sua ex-amante, a explosão da ponte, o grande massacre final (um pouco exagerado mas extremamente plástico).

Outra coisa importante: a liberdade de linguagem (com os xingamentos e palavrões que personagens rudes como eles usariam, fato ainda raro na época no cinema americano). Depois detalhes da trama: qual a verdadeira relação entre o perseguidor (Robert Ryan) e o caçado (Holden)? Não havia também uma possível relação homossexual entre Holden e o amigo Ernest Borgnine? William Holden, no papel principal, nunca chega a convencer totalmente mas este não é mesmo um filme de grandes interpretações, é uma fita de ação e dos melhores, que revelou um diretor até então maldito e perseguido pelos produtores (seu Major Dundee-Juramento de Vingança foi totalmente remontado e o belo Pistoleiros do Entardecer mal conhecido).

Se é verdade o axioma de que em cinema todos os meios técnicos devem ser utilizados para um determinado fim, Peckinpah usou a plasticidade da violência para nos dar um dos mais impressionantes impactos num gênero quase moribundo como o western. No filme nada justifica a violência, a não ser a própria violência.

 

Filmografia/Critica - PARTE 2

 

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Sobre o Colunista:

Rubens Ewald Filho

Rubens Ewald Filho

Rubens Ewald Filho é jornalista formado pela Universidade Católica de Santos (UniSantos), além de ser o mais conhecido e um dos mais respeitados críticos de cinema brasileiro. Trabalhou nos maiores veículos comunicação do país, entre eles Rede Globo, SBT, Rede Record, TV Cultura, revista Veja e Folha de São Paulo, além de HBO, Telecine e TNT, onde comenta as entregas do Oscar (que comenta desde a década de 1980). Seus guias impressos anuais são tidos como a melhor referência em língua portuguesa sobre a sétima arte. Rubens já assistiu a mais de 30 mil filmes entre longas e curta-metragens e é sempre requisitado para falar dos indicados na época da premiação do Oscar. Ele conta ser um dos maiores fãs da atriz Debbie Reynolds, tendo uma coleção particular dos filmes em que ela participou. Fez participações em filmes brasileiros como ator e escreveu diversos roteiros para minisséries, incluindo as duas adaptações de “Éramos Seis” de Maria José Dupré. Ainda criança, começou a escrever em um caderno os filmes que via. Ali, colocava, além do título, nomes dos atores, diretor, diretor de fotografia, roteirista e outras informações. Rubens considera seu trabalho mais importante o “Dicionário de Cineastas”, editado pela primeira vez em 1977 e agora revisado e atualizado, continuando a ser o único de seu gênero no Brasil.

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